Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Racismo na Brazil Conference

O Brasil precisa ser planejado e construído a partir de mãos e forças que realmente retratem a diversidade e composição da nação

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Gabriela Rabello

é doutoranda em comunicação pela Université du Québec à Montréal. Pesquisa o tema sobre violência de gênero a partir de uma perspectiva interseccional. Faz parte da rede de embaixadores do evento (2016-2023)

No dia 07 de abril de 2024, durante a Brazil Conference (evento organizado por estudantes brasileiros das universidades de Harvard e MIT, nos Estados Unidos), escuto na plateia duas mulheres, lideranças negras de impacto social, denunciarem um caso de racismo vivenciado no evento.

Os outros oito líderes presentes, por terem se solidarizado ao caso, acabaram perdendo a oportunidade de descrever seus projetos e organizações, pois o momento destinado a esses participantes acabou sendo colocado no último dia do evento.

Durante a cerimônia de encerramento, vejo outra liderança, representando a comunidade indígena, levantar-se na plateia e pedir respeito e a humanização de suas histórias nas falas de alguns dos organizadores, que não o escutando, seguiram utilizando diferentes retóricas, valendo-se do momento (que poderia ser de reparação) para enaltecer seus pares e esquecer do Brasil.

Imagem mostra grupo de pessoas diversas com roupas de frio
Rede de embaixadores da Brazil Conference (2016-2024) - Divulgação

Este relato de escrevivência aborda duas problemáticas que também foram objetos de discussão nos painéis de justiça e democracia no referido evento: racismo estrutural e tokenismo no Brasil.

O "racismo estrutural" pode ser compreendido como um sistema complexo de desigualdade racial enraizado nas instituições, políticas públicas e pessoas que perpetuam discriminações sistemáticas e privilégios conscientes (ou não), para determinados grupos étnicos em detrimento de outros.

Ele se manifesta através de padrões persistentes de acesso desigual a recursos e oportunidades, marginalizando e oprimindo comunidades racializadas como as populações negras (pretas e pardas), asiáticas e/ou indígenas.

A Brazil Conference foi organizada com a antecedência de quase um ano, e mesmo contando com o acesso às lideranças que participaram em edições anteriores (2016-2022), situações como as que foram relatadas anteriormente nos permitem entender que não era uma preocupação dos organizadores envolver pessoas que genuinamente representassem a diversidade do país, promover discussões sobre a necessidade de o Brasil ser planejado e construído a partir de mãos e forças que realmente retratem a diversidade e composição dessa nação.

E o que esses exemplos relatados têm a ver com tokenismo? O termo "token" foi utilizado pela primeira vez por Martin Luther King no ano de 1962 para relatar que a integração de pessoas negras na sociedade americana não passava de uma ilusão.

De acordo com o Instituto Identidades do Brasil, "tokenismo é basicamente pegar grupos que estão sub-representados dentro do ambiente de trabalho e usá-los em ocasiões muito pontuais para representar o todo".

Para além da violência simbólica e discursiva perpetradas pela organização atual do evento sobre os participantes que mais deveriam ter sido ouvidos, muitos de nós saímos com uma profunda sensação de injustiça. Observamos instituições prestigiosas, incluindo as universidades mais renomadas do mundo, perpetuando desigualdades.

Quando as vozes não são escutadas ou, pior, são tolhidas do pleno exercício da cidadania e do acesso ao conhecimento, seguimos na direção oposta a da democracia e da equidade.

Por isso, precisamos acolher e produzir evidências a partir das vozes daqueles que estão às margens e buscar reparação. Assim, não podemos dizer que ocorreu somente uma situação pontual de racismo no evento e essas lideranças retornaram para as suas comunidades com o sentimento de injustiça e não escuta que era o objetivo principal da conferência. Precisamos estabelecer pactos para além dos da branquitude, com compromissos sérios, o estabelecimento de prazos e o cumprimento de metas que alcancem quem mais precisa.

Talvez a partir daí não seja mais necessário que líderes reivindiquem por uma humanidade que deveria ser intrínseca, sobretudo em eventos dedicados ao debate de problemas e desafios do Brasil.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Gabriela Rabello foi "O que se cala", de Elza Soares.

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