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Dito popular: uma língua, muitas línguas

Leitora reflete sobre adaptações sofridas pelos ditados ao longo do tempo

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Atualmente, a língua portuguesa está entupida de palavras e expressões criadas a todo momento, sejam para determinados grupos sociais, profissionais ou para usuários em geral e dominantes da língua.

São circunstanciais na comunicação oral ou na escrita coloquial, para clarear o que se quer transmitir através da linguagem, de modo que o interlocutor chegue mais próximo das ideias do emissor, independente deste conseguir ou não convencê-lo do conselho ou advertência.

Parte da exposição do Museu da Língua Portuguesa que será reaberto em julho
Parte de exposição do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo - 5 fev.2021/Divulgação

O que pretendo trazer para reflexão são os ditos ou ditados populares. Geralmente são frases curtas, fáceis de memorizar (até porque são repetidas de geração em geração) e sem autoria. De tempos em tempos, vão se repetindo as mesmas frases da sabedoria popular, auxiliando na construção da cultura de um país. No entanto, há necessidade de uma advertência: alguns desses provérbios com o tempo foram se adequando e anunciando situações que caíram no gosto do povo.

Vejam. Quem não conhece esta sequência de frases populares, que ensinamos e recitamos com as crianças: "Hoje é domingo pé de cachimbo...". Pé de cachimbo? Tem-se plantação de cachimbo, aí rapaz?

A explicação é que domingo, dia de folga, de descanso, é ideal para sentar-se numa confortável poltrona e fumar um cachimbo. Então: Hoje é domingo, pede cachimbo. Do verbo pedir.

Vamos retomar nossos versos populares e passar direito para as crianças!

Quantas vezes animamos ao aconselhar alguém com dificuldade em encontrar um caminho, um endereço: "Quem tem boca, vai a Roma". Teria sentido. Mas a ideia dessa expressão foi usada em um momento bem diferente. No sentido de vaiar os deslizes cometidos pelos imperadores romanos na antiguidade, o ditado é "Quem tem boca vaia Roma".

Quantas distorções ocorrem em nossa Flor de Lácio, nosso latim em pó!

E, ainda, a questão da batatinha quando nasce, que deveria espalhar a rama pelo chão, em vez de esparramar-se? E o "cuspido e escarrado" – expresso grosseiramente —em vez de "esculpido em Carrara" em referência ao mármore produzido nesta cidade da bela região da Toscana, na Itália?

Conceituamos a linguagem popular como aquela chamada de espontânea e criativa. Apresenta-se de forma mais expressiva e dinâmica.

Então, aos filhos pequenos, os braços de quem os pariu! Foi daí que surgiu a conhecida fala popular: "Quem pariu mantém (não Mateus) e balance!"

Outros exemplos? Quem não tem cão, caça como um gato (a comparação aqui é real –o gato caça na solidão). Ou "cor de burro quando foge". Como assim, cor de burro? A expressão está equivocada, já que a forma original é: "Corro de burro, quando foge."

E aquele garoto que não tem sossego? As pessoas dizem que ele não para, porque parece que tem "bicho carpinteiro". O bicho aqui tem uma profissão! Não. Na verdade, o garoto não se aquieta porque parece que tem bicho no corpo inteiro.

E assim, vamos vivendo, meu irmão, minha irmã, neste nosso idioma. Segundo Galindo (2022), falamos a mesma língua porque falamos versões diferentes desta mesma língua, sem um centro nítido, sem determinação única. Um idioma de muitas verdades.

Tudo isso sabem por que? Porque são ossos do ofício. Ossos? Não. São ócios do ofício, anotem aí!


Eleni Gentil Amaral, 66, nasceu em Osasco (SP). É esposa, mãe e avó. Mora em Fortaleza (CE) desde 2002, porque esteve como diretora de ensino na Unidade da Fundação Bradesco em Caucaia (CE). Aposentou-se na mesma função. É pesquisadora da Universidade Estadual do Ceará. Sua formação acadêmica é Letras e Pedagogia, com especialização em Psicopedagogia, Didática do Ensino Superior e MBA em Gestão Escolar.

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