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Feedback ou retorno? Entenda por que jargões corporativos em inglês são febre

Edição da newsletter Folha Carreiras discute se anglicismos ajudam ou atrapalham a comunicação no trabalho

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São Paulo

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"Pode participar de um meeting ASAP para falar sobre o budget da campanha e fazer um brainstorming para selecionarmos os melhores insights? Vou te mandar um invite para a call, assim discutimos o que será importante nesse job."

Ficou confuso com as frases acima, cheias de jargões em inglês? Você não está sozinho.

Feedback e networking são os jargões mais usados no Brasil, porém, também são considerados os mais confusos, segundo pesquisa - Nenetus/ Adobe Stock

Uma pesquisa do LinkedIn com o Duolingo aponta que 28% dos brasileiros entrevistados já enfrentaram mal-entendidos ou cometeram erros no trabalho por não compreenderem os anglicismos ou não utilizá-los corretamente.

Segundo os entrevistados, os jargões em inglês mais utilizados no Brasil são:

  1. feedback;
  2. networking (rede de relacionamento profissional);
  3. call (reunião por telefone ou vídeo);
  4. job (trabalho ou tarefa);
  5. insights (ideias repentinas).

O estudo foi realizado em maio de 2023 com 8.227 profissionais de 18 a 76 anos dos EUA, Reino Unido, Austrália, Índia, Colômbia, Brasil, Vietnã e Japão.

Por que virou febre usar termos em inglês?

Pertencimento à empresa. Usar o jargão também mostra às pessoas ao seu redor que você é um membro da organização, argumenta Hope Wilson, gerente sênior de aprendizagem e currículo do Duolingo.

  • Há até termos técnicos compreendidos apenas por quem trabalha em determinadas áreas, como "day trade" (estratégia que busca ganhos em operações diárias com o sobe e desce das ações e dos índices) nas finanças.

Alavancar a carreira. Entre os entrevistados pela pesquisa, 67% concordam que aqueles que entendem os jargões podem receber promoções e aumentos de salário.

  • Por quê? "As pessoas sentem que, ao usá-los, têm maior integração à empresa e mais conexões com seus colegas de trabalho, o que poderia resultar em promoções e aumentos", diz Wilson.
  • Mas... "Isso é o que as pessoas acreditam, não significa que seja realmente verdade", complementa.

Importância do inglês. Profissionais que dominam a língua —e fazem bom uso dos termos— podem se destacar em entrevistas de emprego e em suas posições atuais.

  • Não tem como fugir: "Um profissional do século 21 é globalizado e vai se deparar com o inglês em algum momento", diz Roberta Falcão, CEO da escola de inglês Ruby Academy.

Agilizar a comunicação. Há palavras em inglês, diz Falcão, que expressam melhor seu significado do que em português.

  • Exemplo: networking é uma rede de contatos profissionais. Em inglês, é uma palavra única, enquanto em português é preciso uma explicação maior.

Universalizar os termos. Há uma dominância do inglês no mundo dos negócios, então os jargões facilitam a comunicação entre pessoas de diferentes países, explica a professora de português Lucy Migliaccio.

  • "São termos mundialmente aceitos e compreendidos. Isso, de alguma forma, transpõe algumas barreiras", diz Migliaccio, que é mestre em semiótica e linguística geral.

Por outro lado, de acordo com os brasileiros entrevistados, os jargões mais confusos são:

  1. feedback;
  2. networking;
  3. ASAP ("as soon as possible", que significa "o mais rápido possível");
  4. briefing (informações necessárias para realizar uma tarefa);
  5. brainstorm ("chuva de ideias" usada para propor soluções diferentes para um determinado problema).

O que torna difícil compreender? "Siglas e palavras que não existem em português, como brainstorm. Essa não é uma palavra fácil de definir, mesmo se você souber um pouco de inglês. Ao trazudir de forma literal, seria algo como 'tempestade cerebral', o que não faz sentido", explica Wilson.

Mas é preciso usar os jargões para se fazer entender? Não. "Há 230 mil palavras dicionalizadas em língua portuguesa. A gente tem inúmeros sinônimos para todos esses jargões", complementa Migliaccio.

Colunista da Folha, o escritor e jornalista Sérgio Rodrigues afirma que eles não são essenciais, mas funcionam para distinguir grupos. "A principal necessidade do jargão é criada por ele mesmo. A ideia é uma linguagem que se diferencie da linguagem comum."

Comunicação ineficiente. O interessante a pontuar, para Rodrigues, é que os termos podem estar gerando um problema de produtividade para as empresas. "É algo que passa a atentar contra a própria lógica corporativa e talvez seja a hora de refletir sobre", explica.

  • "Os profissionais gastam tempo para entender o que está sendo dito, e podem surgir erros pela não compreensão das tarefas, emails e reuniões", diz Karuna Lopes, líder de comunicação para América Latina e Ibéria do LinkedIn.

Falta transparência. Nem todo mundo entende os termos, especialmente aqueles que estão no início de suas carreiras ou são recém-chegados na empresa.

  • Por quê? "Os jargões são acessíveis somente para um pequeno grupo de pessoas que atuam no espaço corporativo há tempo suficiente para aprendê-los", explica Lopes.

Adaptar termos para o português, quando possível, torna a comunicação mais inclusiva, defende Rafael Almeida, gerente de parcerias estratégicas na consultoria Robert Half.

  • Exemplo: Dizer "acompanhamento" e "reunião", no lugar de follow-up e meeting, respectivamente.

Quer saber mais sobre o assunto? As palavras importadas e as mudanças da nossa língua, do "testar positivo" ao "crush"; ouça aqui o episódio do podcast Café da Manhã.

Minha Experiência

Profissionais opinam sobre o uso dos jargões corporativos.

Miranda, 30, atriz, roteirista, empresária e influenciadora - Leitor

Miranda, que trabalhou por um período em uma fintech, hoje se dedica à produção de conteúdo na internet. Seu perfil, @aquela.miranda, acumula cerca de 150 mil seguidores no Instagram, e quase 100 mil no TikTok.

Qual conteúdo faz sucesso: sátiras de situações do mundo corporativo são os que mais geram engajamento, segundo Miranda.

  • Os vídeos são inspirados em momentos que ela já vivenciou, além de situações descritas no LinkedIn ou que são enviadas por seus seguidores.

Exemplo que viralizou: Ao dar um feedback, a personagem Rê, do RH, diz à funcionária: "vamos dar inicio então à sua feedback session. Vamos começar com seu feedback geral da squad nesse seu último quarter. A gente teve vários bullets points fazendo referência à sua falta de foco".

Quais jargões são frequentes no ambiente de trabalho? "Call é um termo que já se tornou corriqueiro. Todo mundo fala em entrar em uma call em vez de uma videochamada. Squad, usado para se referir a um grupo de trabalho ou equipe. Time de people, que antes era recursos humanos."

Os jargões corporativos ajudam ou atrapalham? "Acredito que alguns podem ser úteis e não devemos demonizar o uso deles. Sempre há uma linha tênue, uma zona cinzenta em relação ao que podemos aproveitar. Há termos que utilizo no meu dia a dia e considero que fazem sentido, como call."

Quando o assunto é inclusão: "Há empresas que querem incluir grupos minoritários, mas, quando essas pessoas ingressam na companhia, deparam-se com diversos termos e siglas em inglês que nunca viram antes. Às vezes, não possuem o mesmo capital cultural por não terem estudado nas mesmas escolas ou feito intercâmbio. Eu, por exemplo, já fiquei sem saber o que fazer ao ouvir a expressão BRB, que significa 'be right back' (já volto)."

vitoria jessica - news carreiras
Vitoria Jessica, 27, profissional de marketing - Leitor

Vitória diz que, no marketing, há um "submundo de termos em inglês". Ela menciona alguns exemplos: "vamos fazer um meeting hoje para criar um brainstorm" ou "qual o budget da campanha?".

Há também siglas: "Quando trabalhei em uma empresa do ramo contábil, usavam muito a sigla FYI (for your information). Na época, achava que tinha relação com contabilidade. Durante uma reunião, descobri que o significado era: para sua informação [similar ao PSC brasileiro, para seu conhecimento]".

Acha algum jargão irritante? "Feedback. Poderia ser simplesmente expresso como 'um retorno' ou 'podemos conversar depois e te passo uma orientação melhor'. É tão utilizado que as pessoas até esquecem que é um termo em inglês."

Esses jargões ajudam ou atrapalham? "Atrapalham, pois nem todos sabem inglês e nem todos sabem pronunciar corretamente. Se esses termos fossem utilizados para facilitar a comunicação, seria ótimo, mas esse não é o caso."

Vinícius Alves - news carreiras
Vinícius Alves, 21, designer gráfico - Leitor

Vinicius afirma ser "totalmente contra" o uso de jargões corporativos, pois acredita que existem palavras em português que podem ser utilizadas no lugar deles. No entanto, ele reconhece que o inglês pode ser necessário em contato com companhias internacionais ou multinacionais.

Ele diz ter presenciado o uso desses jargões por recrutadores, gestores e colegas de trabalho. Para ele, parece ser um hábito enraizado, mesmo que muitas vezes não compreendam a razão por trás do uso.

Por quê? "Já me deparei com situações em que notei uma linguagem viciada nas empresas. São pessoas que se habituaram a usar esses termos em inglês, como call em vez de ligação ou reunião. Já existe uma tradução disponível em nossa própria língua."

Acha algum jargão irritante? "Call é um deles porque é recorrente em processos seletivos. O recrutador manda um email dizendo 'vou mandar um convite para a nossa call'. Qual a diferença em dizer: vou mandar um convite para a nossa reunião ou videochamada?"

Tem até jargão que o marcou: "Na última empresa em que trabalhei, minha ex-gestora me perguntou: Vinicius, como está o seu onboarding? Ela queria saber como estava a minha lista de afazeres e eu não entendi."

Ajudam ou atrapalham na comunicação? "Atrapalham, pois cria uma linguagem com vícios. A pessoa não consegue se comunicar sem recorrer aos jargões."

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