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Os sinais de paquera virtual não correspondem à vida real

Interação com stories e curtidas em fotos antigas supostamente demonstram interesse, escreve leitora

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Lina Maria Freitas

Parte do meu trabalho é conviver com jovens. Com eles aprendi que há muitas formas de se paquerar na internet e não é utilizando músicas no nickname ou chamando a atenção do outro usuário, como se fazia no saudoso MSN. A palavra "paquerar" já nem deve existir nas redes, as coisas evoluíram.

Agora existe pelo menos o dobro de possibilidades para iniciar uma paquera online. E nem incluo aqui aplicativos de namoro; entre as opções —deixemos de lado a discussão quase filosófica sobre o quão pouco isso representa—, está aceitar visualizações de stories no Instagram como sinal de interesse, assim como curtir fotos antigas.

Tímida para paquera –paquera sim, sou millennial– e há tempos ouvindo que curtir fotos antigas (têm que ser as primeiras postadas no perfil), resolvi fazer um experimento social e curtir fotos de um colega de trabalho que desde uma conversa de bar havia achado interessante.

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O interesse ficou para o mundo virtual, onde nada parece ser real - Catarina Pignato

Encorajada pelas férias que nos deixaria distantes por alguns dias, caso algo desse errado, fui ao seu perfil, rolei a tela até as publicações mais antigas e comecei. As fotos mereciam mesmo curtidas. O que mostravam eram programas com os quais me identifiquei, mas não revelarei para preservar a identidade do homem progressista que, assim como eu, lê jornal e talvez me leia. Em seguida, guardei o celular e segui com os compromissos da vida adulta de uma 30 mais.

Eis que ao abrir o aplicativo ao fim do dia, para a minha surpresa, ele havia feito o mesmo no meu perfil. Curtiu não só as fotos mais antigas, mas também as mais recentes. E agora? O que aquilo queria dizer? Ele também estaria interessado? Estaríamos paquerando online? Fui tirar as dúvidas com outros adultos um pouco mais jovens e inteirados do mundo virtual do que eu. Segundo eles era sim sinal de reciprocidade na paquera. "Amiga, ele também está a fim"; "Ai, irmã, rolou um interesse, é assim que se demonstra hoje em dia"; "Ele também vê seus stories?". A última frase traria o elemento final para afirmar o suposto interesse. Mas não pude deixar de me sentir um pouco deprimida com tanta superficialidade. Quem mandou ler Bauman?

Apesar de achar problemático, devo confessar que achei o método mais fácil que os presenciais, já que evita o excesso de vergonha e minimiza o impacto de uma possível rejeição.

Apesar da ideia consolidada pelos meus amigos, não senti segurança de que aquilo fosse mesmo uma demonstração de interesse. Decidi esperar e ver se algo mais aconteceria —então me informaria sobre os próximos passos da paquerar virtual.

Se você é conectado deve saber melhor do que eu o que viria a seguir. Como nada mais aconteceu, nunca descobri. Retornamos das férias, voltamos a nos sentar próximos e calados, cada um com seu celular na mão. Ninguém puxou conversa a partir das fotos curtidas, não houve convite para jantar ou tomar uma cerveja após uma reunião de trabalho. Nem menção à suposta paquera.

Na vida real, seguimos sendo bons colegas de trabalho que trocam alguma camaradagem necessária para cumprir funções e o interesse ficou no mundo virtual, onde nada parece ser real.


Lina Maria Freitas tem 33 anos e é professora de história em Sete Lagoas (MG).

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