Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu
Julia Ferreira Cossi, Hozana de Pinho e Alice Maldonade Bryan

A apropriação de crédito de ICMS nas operações de transferências

Tema está longe de estar pacificado e neste ano haverá mais desdobramentos relevantes

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Julia Ferreira Cossi

Head da área tributária judicial do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados

Hozana de Pinho Lima

coordenadora da área tributária do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados

Alice Maldonade Bryan

advogada da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra,Sociedade de Advogados

Em 2021, o STF iniciou o julgamento da ADC 49, na qual restou definido que é inconstitucional a incidência do ICMS sobre a transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma pessoa jurídica, diante da ausência de transferência de titularidade, em razão disso, ainda permitiu a manutenção dos créditos da entrada.

Na ocasião, a Suprema Corte modulou a decisão, de forma a resguardar os contribuintes que tinham processo judicial ou administrativo em andamento, para que os seus efeitos passassem a valer apenas a partir de 2024, data em que os estados deveriam regulamentar a transferência de referidos créditos, ressalvada a transferência pelo contribuinte, em caso de omissão pelos entes estaduais.

Assim, desde o final de 2023, os contribuintes têm sido bombardeados com novas legislações que regulamentam a transferência dos créditos das operações ocorridas entre estabelecimentos no mesmo titular. Como por exemplo, o Convênio nº 174/2023 (publicado em 31/10/2023 pelo Confaz) que inovou no ordenamento, trazendo a obrigatoriedade de transferência dos créditos de ICMS para o estabelecimento de destino, mediante o destaque do ICMS em campos próprios da Nota Fiscal de transferência.

Mulher de camisa rosa
Julia Ferreira Cossi, head da área tributária judicial do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados - Divulgação

Diante de alguns questionamentos jurídicos quanto a sua validade, o estado do Rio de Janeiro não aderiu ao Convênio nº 174/2023, e em seguida, no dia 17/11/2023, foi publicado o Ato Declaratório nº 44/2023 do Confaz rejeitando integralmente o referido convênio.

Posteriormente, em 01/12/2023, foi publicado o Convênio nº 178/2023, com vigência a partir de 01/01/2024, que trouxe exatamente os mesmos procedimentos de transferência de crédito de ICMS do Convênio anterior, sendo que a única alteração foi quanto ao momento de entrada em vigor, e que os estados não teriam mais que ratificar o novo convênio, violando as regras da Lei Complementar nº 24/75.

Dias após a publicação do novo convênio, foi publicada a nota orientativa de preenchimento do EFD ICMS IPI, no site do SPED, a fim de esclarecer sobre a escrituração das Notas Fiscais nas transferências de crédito nas remessas interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular. Nesta Nota foi reconhecida a não incidência do ICMS nas operações de transferência, no entanto, foi confirmada a necessidade de destaque do imposto nas Notas Fiscais de remessa, embora não sejam tributadas. Também foi informada a necessidade de escrituração das Notas nos Livros de Entradas e de Saídas no Registro C190 do EFD ICMS IPI.

Além disso, o estado de São Paulo ratificou o Convênio nº 178/2023 no dia 22/12/2023 por meio da publicação do Decreto nº 68.243/2023, com vigência a partir de 01/01/2024, determinando que a transferência do crédito seria obrigatória nas remessas interestaduais e opcional nas remessas internas.

mulher de cabelo comprido
Hozana de Pinho Lima, coordenadora da área tributária do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados - Divulgação

Não obstante, o Congresso Nacional propôs e aprovou o PLP nº 116/2023, sobre a não incidência do ICMS nas transferências e, em 29/12/2023, a Presidência da República sancionou e publicou a Lei Complementar nº 204/2023, que dispôs que não se considera ocorrido o fato gerador do ICMS na saída de mercadorias de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte.

Ainda, de acordo com a Lei Complementar, nas operações interestaduais os créditos são assegurados pela unidade federada de destino, limitados ao percentual da alíquota interestadual, e pela unidade federada de origem somente sobre diferença positiva das operações.

No mesmo dia em que a Lei Complementar foi promulgada, foi publicado o Convênio nº 228/2023, dispondo que os estados e o Distrito Federal poderão permitir a aplicação das regras sobre emissão de documento fiscal vigentes em 31/12/2023, de 01/01/2024 a 30/04/2024, até ser publicada a regulamentação interna dos estados.

Este convênio trouxe o debate sobre a possibilidade de aqueles contribuintes que estavam amparados por decisão judicial para não tributar, não destacar o ICMS nas operações de transferências, e continuar a adotar esse procedimento até 30/04/2024, caso o estado onde está localizado não regulamentasse estas operações.

Mulher de cabelo comprido
Alice Maldonade Bryan, advogada da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados - Divulgação

Todavia, no caso do estado de São Paulo, que já internalizou as regras do Convênio nº 178/2023, esta argumentação perde força, uma vez que devem ser observadas as regras já vigentes.

Porém, tais disposições geraram discussões judiciais sobre a sua legitimidade, uma vez que o STF, na decisão da ADC 49, reconheceu que não deve haver o destaque do ICMS nas operações de transferências interestaduais, diante da ausência da ocorrência de fato gerador do imposto. Com o novo procedimento, na prática, a Nota Fiscal permanecerá sendo emitida como destaque do imposto e o débito na apuração, o que na maioria dos casos não é benéfico para os contribuintes que há anos têm de recorrer ao Judiciário.

Além disso, tanto é evidente que os convênios não alteraram a sistemática anterior de tributação, que inclusive trouxeram a base de cálculo do imposto para sua ocorrência.

Por fim, questiona-se sobre a legalidade da obrigatoriedade da transferência dos créditos para o estabelecimento do destino, tendo em vista que a decisão da Corte não mencionou sobre tal exigência. E discute-se se o Convênio era o instrumento normativo correto para regular os créditos tributários, pois, segundo a Constituição Federal, essa regulamentação deveria ser realizada por Lei Complementar.

Ou seja, as novas regulamentações sobre o assunto intensificaram as discussões sobre a legalidade do Convênio nº178/2023, e da própria Lei Complementar, uma vez que no julgamento da ADC 49, não restou determinado que é obrigatória a transferência dos créditos. Com relação a todos os questionamentos expostos, havia uma expectativa de que o STF encerrasse de uma vez por todas a questão, uma vez que o Sindicato Nacional das empresas distribuidoras de combustíveis e lubrificantes havia protocolado Embargos de Declaração, como amicus curie, requerendo esclarecimento expresso quanto à obrigatoriedade ou não da transferência dos créditos das operações. Além disso, requereu que os efeitos da decisão passassem a valer apenas a partir de 2025. Em 21/02/2024, foi finalizado o julgamento, que por unanimidade rejeitou os Embargos de Declaração.

Com isso, restou novamente uma insegurança jurídica enorme sobre o assunto em questão, tendo em vista que para alguns contribuintes realizar a transferência do crédito, implica na necessidade de seu estorno em razão de Regimes Especiais e Convênios que disciplinam sobre benefícios fiscais como, por exemplo, o Convênio 100/97, o que pode se tornar prejudicial para operação.

Tal fato acaba acarretando em uma movimentação de mercado para ajuizamento de novas ações judiciais, objetivando o afastamento dos efeitos dos Convênios e Lei Complementar mencionadas, a fim de que não seja obrigatória a transferência dos créditos em todas as operações.

A questão vem sido questionada há décadas no Judiciário, e agora com o julgamento definitivo da ADC 49, as discussões deveriam ter sido encerradas. Todavia, na prática, o que vem acontecendo é um aumento significativo do contencioso, diante da tamanha insegurança que os contribuintes estão vivenciando.

Em conclusão, considerando este cenário, a partir de 01/01/2024 entraram em vigência as regras dispostas pelo Convênio nº 178/2023 e na Lei Complementar nº 204/2023, sendo obrigatória a observância das novas regulamentações. Os contribuintes devem avaliar na prática quais são os impactos das novas regras em suas operações, já que o tema ainda está longe de estar pacificado e neste ano haverá mais desdobramentos relevantes.

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