Sobre Trilhos

Viaje ao passado, conheça o presente e imagine o futuro das ferrovias

Bucólica estação marca início de viagem de até 21 horas no Trem da Morte boliviano

Rota entre Puerto Quijarro, na fronteira com o Brasil, e Santa Cruz de la Sierra tem 618 km

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A estação ferroviária tem um saguão que se assemelha aos de rodoviárias de cidades pequenas no Brasil, com poucos guichês para a venda de passagens e cadeiras espalhadas pelo espaço para que os passageiros aguardem o horário de saída do trem.

Por trás da simplicidade do cenário, porém, está a partida para uma aventura que pode demorar mais de 20 horas. São apenas 618 quilômetros, mas o trajeto entre Puerto Quijarro —cidade boliviana na fronteira com o Brasil e que é vizinha a Corumbá (MS)—​ e Santa Cruz de la Sierra, mais populosa da Bolívia, com 1,5 milhão de habitantes, pode ser traduzida assim mesmo: uma aventura.

Se nos últimos anos esse roteiro, que ganhou o nome de Trem da Morte, pouco tinha dos riscos do passado, o mesmo não se pode dizer da demora para chegar ao destino.

Composições paradas na estação ferroviária de Puerto Quijarro, na Bolívia
Composições paradas na estação ferroviária de Puerto Quijarro, na Bolívia - Eduardo Anizelli-9.12.2021/Folhapress

Como o trem parava muito e vez ou outra era obrigado a esperar composições ou engatar com outras, as viagens poderiam demorar de 15 horas a 21 horas, conforme mochileiros contaram.

A rota boliviana ganhou o temido nome devido ao grande número de acidentes no passado, por ser um trem composto por vagões muito simples —com trilhos idem— e por ter sido utilizado para o transporte de pessoas com doenças como febre amarela.

Esse cenário não existe mais. As composições mais simples e inseguras do passado deram lugar a locomotivas e vagões mais modernos, assim como os trilhos.

Aliás, o trem não circula atualmente, para preocupação de agências de viagens sediadas nos dois lados da fronteira.

Três agências consultadas, uma delas boliviana, informaram que não estão comercializando no momento passagens a partir de Puerto Quijarro via ferrovia por conta da suspensão das atividades ocorrida em virtude da pandemia da Covid-19.

A opção, disseram, é fazer a rota até Santa Cruz de la Sierra em ônibus. Não tem a mesma graça.

A concessão em Puerto Quijarro é da empresa Ferroviaria Oriental, que administra 1.244 quilômetros de trilhos na Bolívia que se conectam com os sistemas ferroviários de Argentina e Brasil.

Nos últimos anos, as classes mais baratas no trem custavam a partir de 100 bolivianos, o equivalente a R$ 75, na cotação da última sexta-feira (17). Como comparação, viajar pelos 664 quilômetros da Estrada de Ferro Vitória-Minas, ferrovia operada pela Vale, custa R$ 73 na classe econômica e R$ 105 na executiva.

Relatos de mochileiros que ouvi dizem que as poltronas no trem boliviano são simples, mas com boa inclinação, e mais confortáveis que as de ônibus. Afirmam ainda que há carros de passageiros com TV e ar condicionado. Ah, e chacoalha bastante.

O movimento normalmente é tranquilo na estação em Puerto Quijarro, de acordo com funcionários, e no saguão, além das cadeiras para esperar o lendário Trem da Morte, o turista encontrava panfletos ou painéis com publicidade sobre o Pantanal boliviano e localidades como Roboré e San José de Chiquitos.

Já no trajeto, o movimento é mais intenso. O trem nem precisava parar totalmente nas estações para que vendedores passassem oferecendo snacks, água, refrigerantes e comida de origem muito duvidosa.

A estação de Puerto Quijarro foi a última em que estivemos para mostrar como era a rota do Trem da Morte brasileiro, que ligava Bauru, no interior paulista, a Corumbá.

Esse trajeto, de 1.272 quilômetros e que era operado pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, herdou o nome boliviano por levar os viajantes até a fronteira entre os dois países e devido aos incidentes ocorridos com a gradual perda de investimentos na ferrovia.

A Noroeste do Brasil, que começou a ser construída em 1905, passou a fazer parte da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) em 1957, onde ficou até a concessão à Novoeste em 1996. Foi a morte dos trens de passageiros, já que o contrato com o governo federal não estabelecia a obrigatoriedade de manter esse tipo de transporte.

Da empresa, em parceria com a Ferroban e a Ferronorte surgiu a Brasil Ferrovias, que depois passou a ser Nova Novoeste, até ser incorporada à ALL (América Latina Logística).

Esta, por sua vez, foi absorvida pela Rumo Logística, atual detentora da concessão da ferrovia, mas o contrato inclui apenas algumas estações. A maior parte delas está sob responsabilidade do governo federal.

Das 122 estações erguidas entre Bauru e Corumbá, ao menos 80 foram demolidas ou estão em processo avançado de deterioração, abandonadas ou fechadas, sem uso algum.

Se quiser conferir o estado geral das estações que pertenceram à ferrovia, contamos essa história aqui.

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