A estação ferroviária tem um saguão que se assemelha aos de rodoviárias de cidades pequenas no Brasil, com poucos guichês para a venda de passagens e cadeiras espalhadas pelo espaço para que os passageiros aguardem o horário de saída do trem.
Por trás da simplicidade do cenário, porém, está a partida para uma aventura que pode demorar mais de 20 horas. São apenas 618 quilômetros, mas o trajeto entre Puerto Quijarro —cidade boliviana na fronteira com o Brasil e que é vizinha a Corumbá (MS)— e Santa Cruz de la Sierra, mais populosa da Bolívia, com 1,5 milhão de habitantes, pode ser traduzida assim mesmo: uma aventura.
Se nos últimos anos esse roteiro, que ganhou o nome de Trem da Morte, pouco tinha dos riscos do passado, o mesmo não se pode dizer da demora para chegar ao destino.
Como o trem parava muito e vez ou outra era obrigado a esperar composições ou engatar com outras, as viagens poderiam demorar de 15 horas a 21 horas, conforme mochileiros contaram.
A rota boliviana ganhou o temido nome devido ao grande número de acidentes no passado, por ser um trem composto por vagões muito simples —com trilhos idem— e por ter sido utilizado para o transporte de pessoas com doenças como febre amarela.
Esse cenário não existe mais. As composições mais simples e inseguras do passado deram lugar a locomotivas e vagões mais modernos, assim como os trilhos.
Aliás, o trem não circula atualmente, para preocupação de agências de viagens sediadas nos dois lados da fronteira.
Três agências consultadas, uma delas boliviana, informaram que não estão comercializando no momento passagens a partir de Puerto Quijarro via ferrovia por conta da suspensão das atividades ocorrida em virtude da pandemia da Covid-19.
A opção, disseram, é fazer a rota até Santa Cruz de la Sierra em ônibus. Não tem a mesma graça.
A concessão em Puerto Quijarro é da empresa Ferroviaria Oriental, que administra 1.244 quilômetros de trilhos na Bolívia que se conectam com os sistemas ferroviários de Argentina e Brasil.
Nos últimos anos, as classes mais baratas no trem custavam a partir de 100 bolivianos, o equivalente a R$ 75, na cotação da última sexta-feira (17). Como comparação, viajar pelos 664 quilômetros da Estrada de Ferro Vitória-Minas, ferrovia operada pela Vale, custa R$ 73 na classe econômica e R$ 105 na executiva.
Relatos de mochileiros que ouvi dizem que as poltronas no trem boliviano são simples, mas com boa inclinação, e mais confortáveis que as de ônibus. Afirmam ainda que há carros de passageiros com TV e ar condicionado. Ah, e chacoalha bastante.
O movimento normalmente é tranquilo na estação em Puerto Quijarro, de acordo com funcionários, e no saguão, além das cadeiras para esperar o lendário Trem da Morte, o turista encontrava panfletos ou painéis com publicidade sobre o Pantanal boliviano e localidades como Roboré e San José de Chiquitos.
Já no trajeto, o movimento é mais intenso. O trem nem precisava parar totalmente nas estações para que vendedores passassem oferecendo snacks, água, refrigerantes e comida de origem muito duvidosa.
A estação de Puerto Quijarro foi a última em que estivemos para mostrar como era a rota do Trem da Morte brasileiro, que ligava Bauru, no interior paulista, a Corumbá.
Esse trajeto, de 1.272 quilômetros e que era operado pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, herdou o nome boliviano por levar os viajantes até a fronteira entre os dois países e devido aos incidentes ocorridos com a gradual perda de investimentos na ferrovia.
A Noroeste do Brasil, que começou a ser construída em 1905, passou a fazer parte da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S.A.) em 1957, onde ficou até a concessão à Novoeste em 1996. Foi a morte dos trens de passageiros, já que o contrato com o governo federal não estabelecia a obrigatoriedade de manter esse tipo de transporte.
Da empresa, em parceria com a Ferroban e a Ferronorte surgiu a Brasil Ferrovias, que depois passou a ser Nova Novoeste, até ser incorporada à ALL (América Latina Logística).
Esta, por sua vez, foi absorvida pela Rumo Logística, atual detentora da concessão da ferrovia, mas o contrato inclui apenas algumas estações. A maior parte delas está sob responsabilidade do governo federal.
Das 122 estações erguidas entre Bauru e Corumbá, ao menos 80 foram demolidas ou estão em processo avançado de deterioração, abandonadas ou fechadas, sem uso algum.
Se quiser conferir o estado geral das estações que pertenceram à ferrovia, contamos essa história aqui.
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