Sylvia Colombo

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Descrição de chapéu América Latina

5 pontos para entender os 100 dias do governo Petro

Gestão do primeiro presidente de esquerda da Colômbia tem avanços e resistência

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Buenos Aires

Fazia sol e ventava na montanhosa Bogotá daquele 7 de agosto de 2022, quando o primeiro presidente de esquerda da história da Colômbia, Gustavo Petro, tomou posse. As ruas do centro histórico da capital estavam apinhadas de gente, assim como outras praças da cidade e do país. Estas viam a posse, e a sequência de apresentações musicais que a seguiram, por meio de telões.

Cem dias depois, Petro vem marcando um estilo de propostas arrojadas, discursos algo barrocos, emotivos e com tendência ao auto-elogio, atrasos em compromissos importantes em uma agenda confusa e o ensaio de um protagonismo internacional de seu país, a terceira maior economia da América do Sul e o segundo território com mais habitantes da região.

É certo que, em tempos de impaciência com a democracia representativa, Petro vem sofrendo alguma resistência, que já se mostrou em manifestações de rua em três ocasiões. Sua popularidade caiu 10 pontos, segundo pesquisa Invamer (de 56% a 46%). Por outro lado, não tem hesitado em defender uma agenda sensível, que prevê justiça reparatória em vez de cadeia, liberação de diversos tipos de drogas, e uma relação com os EUA não tão marcada pela subserviência das últimas décadas.

Entenda, em cinco pontos, os fatos mais marcantes da gestão Petro em seus primeiros 100 dias.

1. Paz total

Termo que se popularizou no debate político do país, a chamada "paz total" é um projeto ambicioso, que apenas começou a dar seus primeiros passos. A Colômbia vive um conflito histórico que envolve Forças Armadas, guerrilhas, dissidentes, paramilitares, facções criminosas e narcotraficantes. É difícil, nos dias de hoje, isolar esses conflitos, pois a maioria de ataques e de extorsões que ocorrem no campo são promovidos por uma mistura de integrantes de vários grupos.

O presidente colombiano, Gustavo Petro, em sua visita a Paris
O presidente colombiano, Gustavo Petro, em sua visita a Paris - Gonzalo Fuentes/Reuters

Ainda assim, Petro aponta para um giro radical nessa área. Nada mais de repassar grandes somas de dinheiro, da própria Colômbia ou de países como os EUA _patrocinadores do antigo Plan Colômbia_ para a repressão ao narcotráfico ou para conter atividades ilícitas que esses grupos manejam, como mineração ilegal e o tráfico de pessoas. Petro pretende que cada grupo tenha uma negociação por separado. Aqueles que tenham agenda política, receberão ofertas de ceder à luta em troca de pontos de sua agenda. O das guerrilhas, desde os anos 1960, por exemplo, passa por uma distribuição mais equitativa das terras do setor agrário.

Já com grupos apenas criminosos, só há uma moeda de troca possível, que são anistias e benefícios para cumprir penas reparatórias em troca de uma desmobilização e da entrega de armas _este último ponto obteve êxito na paz com as Farc. Além de um pedido de desculpas público, para especialistas, necessário para a não-repetição dos conflitos. Esse assunto é sensível à direita colombiana, que não aceita algo que não seja a prisão para aqueles que cometeram delitos de lesa humanidade.

Nestes 100 dias, além de comunicar o projeto, e começar a armar as equipes de conversação, Petro sentou as bases para a retomada da negociação com o ELN (Exército de Libertação Nacional), última guerrilha colombiana de esquerda nascida nos anos 1960 e na ativa até hoje, vitaminada pela adesão de dissidentes das Farc e de carteis venezuelanos que atuam no Arco Mineiro e na fronteira. O sinal verde já veio dos dois lados e o trabalho agora é o da escolha dos negociadores de cada mesa.

A principal dificuldade, por ora, é obter de fato o apoio da Venezuela para este ponto. Em seu território estão importantes estruturas desses grupos, assim como nomes essenciais para os acordos. Quando negociava a paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o ex--presidente Juan Manuel Santos fez vista grossa à ditadura chavista e às rusgas entre seus dois países. Dizia que, a partir de então, seria "o melhor amigo de Maduro".

Agora, a tarefa é mais complicada, a Venezuela é uma ditadura mais fechada, que vem cometendo crimes contra a humanidade e mantido presos opositores. Para ajudar Petro nessa tarefa, o regime apresenta demandas impossíveis, como a devolução de dissidentes venezuelanos exilados em solo colombiano. Petro não demonstra que cederá nessa área, mas tomou a tarefa de ajudar a "suavizar" ou a "amenizar a imagem de Maduro a um mundo cada vez mais carente de petróleo. Também de intermediar numa suavização das sanções caso o ditador aceita eleições livres. A avaliação dessa ajuda de Petro por parte de Maduro pode definir se os novos acordos de paz terão ou não sucesso.

2 - Avanços das reformas

Para o curto espaço de tempo que teve até agora, Petro avançou em dois temas complicados de sua agenda, ainda que não da maneira como gostaria. A reforma tributária passou no Congresso, estabelecendo maior taxação a grandes riquezas e exportação de petróleo. Porém, foi uma reforma amenizada, com menos perdas para o setor de mineração e de extração, e sem uma de suas bandeiras de campanha: a de que as Igrejas pagassem impostos. Conseguiu, porém, que estas passassem a ser taxadas por vendas dentro dos templos, como de livros e outros produtos, atividade da qual antes também era isenta. Também teve êxito nos chamados impostos "verdes", impondo mais taxas a bebidas açucaradas e para produtos de plástico.

Ainda sem ser a reforma tributária de seus sonhos, Petro contou com apoio legislativo que a oposição duvidava que ele poderia juntar. Na verdade, os opositores que votaram contra ficaram reduzidos ao grupo Centro Democrático, liderado por Alvaro Uribe.

Outra reforma que avançou, ainda de modo incipiente, foi a agrária. Petro conseguiu realizar um acordo com a principal entidade que reúne produtores de gado da Colômbia para que se facilite a compra, por parte do Estado, de 1,5 milhão de hectares de terras para distribuição aos camponeses.

Petro pretende continuar a negociar acordos de compras de terras, principalmente improdutivas, para financiar essa reforma agrária que não passará por desapropriações. Para o presidente, a paz total passa, definitivamente, por tornar o campo mais produtivo, com a substituição das plantações de coca por outros produtos, com investimento do Estado. Isso ainda está por ser visto.

3 - Ambiente

Com relação a uma de suas bandeiras mais importantes, Petro tem feito chamados a governos da região, especialmente àqueles nos quais a Amazônia está presente (Brasil, Venezuela, Peru, Bolívia) para que se tome uma ação conjunta para conter os atos ilícitos cometidos na região por máfias do contrabando e de exploração de atividades ilícitas. Seu discurso na ONU, em Nova York, foi também um apelo aos EUA para que coloque o olhar na região com prioridade, e pediu atenção especial ao compromisso da redução da emissão de gases e com a luta pela desaceleração da mudança climática.

Petro admitiu, em uma entrevista recente ao El País que o combate aos efeitos da mudança climática se fazem mais difíceis do que ele imaginava, por conta da presença, em áreas de preservação, de cartéis e grupos criminosos tanto colombianos como venezuelanos, que transformam essas regiões em terras sem lei, como é o caso da floresta do Darién.

O mais recente relatório da ONG Global Witness mostra a Colômbia como o país que mais assassina líderes ambientalistas na região, além de líderes sociais e sindicais que trabalham com a população rural em apoio a suas atividades no campo. Para esse tema tão sangrento e tão grave, o governo Petro ainda não apresentou uma proposta consistente

"Se usarmos as reservas de carvão da Colômbia, a humanidade morre", afirmou recentemente em Paris. "A crise climática é um problema que pode acabar com a vida inteira", afirmou, na COP27, no Egito.

4 - Economia

Assim como no Brasil, de certa forma, o mercado também anda "inquieto" com as ideias de Petro. Desde que assumiu, o dólar alcançou uma alta recorde na história, a 5.000 pesos. O desemprego e a inflação também estão altos, embora a Colômbia tenha sido um dos países da região que saiu com melhor projeção de crescimento no chamado pós-pandemia. Movimento que hoje se mostra retraído.

Um representante do J.P. Morgan no país afirmou que Petro deveria tomar cuidado com seus tuítes, porque eram improvisados, intempestivos, e causavam "uma crise de confiança", especialmente quando anuncia novos planos de gasto social nos quais não explica de onde virá o recurso.

A inflação anual está em 12,2%, a mais alta do século, embora baixa com relação a parceiros da região, como os recordistas Argentina e Venezuela. Para 2023, o Banco da República prevê que o país crescerá apenas 0,7%.

5 - Direitos Humanos

Mais do que aproximar-se com Nicolás Maduro do ponto de vista diplomático e político, Petro também precisa da vizinha Venezuela para responder a sérias crises que ocorrem em seu território e que possui conluio com atores que desrespeitam os direitos humanos do lado de lá da fronteira. Isso se mostra nas regiões conflitivas das fronteiras, onde atuam cartéis de ambos os lados, na temida região da floresta do Darién, na fronteira do Panamá, onde há grupos armados que sequestram imigrantes para venda de pessoas, extorsão, crimes sexuais e outros delitos, incluindo a desaparição.

Como avaliou a ONG Human Rights Watch, é importante o projeto da paz total, mas algo precisa ser feito contra os abusos cometidos nos dias de hoje, enquanto esta não se consuma. A reforma da polícia, e o que se fará com o temido batalhão ESMAD, responsável por mortes durante repressões a manifestações, é outro dos temas para os quais ainda não se deu nenhuma resposta.

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