Vida de Alcoólatra

O silêncio mortal da bebida

Vida de Alcoólatra - Alice S.
Alice S.
Descrição de chapéu Todas réveillon

Sóbria, aprendi que pequenos feitos superam grandes promessas

Passar a virada sem beber e começar o ano zerada traz paz e torna tudo mais fácil; é mais um dia, como outro qualquer

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Eu fazia muitas promessas no meu alcoolismo ativo, sobretudo nessa época. Acreditava que, com a chegada de um ano novo, conseguiria mudar muita coisa de ruim na minha vida. Outro dia mesmo, encontrei no bloco de notas do celular uma lista de promessas para 2011! Um dos itens era: beber menos. Faz tempo que isso me assombra. Hoje sei que moderar é um verbo impossível para mim. Não posso beber nem uma gota de álcool. Até cerveja 0.0 eu não bebo: não bebia pelo gosto, mas pelo efeito que ela provocava em mim. Também não consigo encarar uma comida que contenha bebida na receita, mesmo que digam: O álcool evapora, Alice… Não, não arrisco. Sou radical. Demorei muito para aceitar e aprender a viver sem me entorpecer. Minha sobriedade é o meu maior patrimônio.

Vida de Alcoólatra
'Minha meta é viver um dia de cada vez' - Catarina Pignato

Por, na maioria das vezes, não cumprir as promessas, minha palavra foi perdendo a força. Muitas vezes jurava que ia parar de beber, principalmente no dia seguinte a um porre. Cada vez que aprontava, eu acordava pedindo desculpas por tudo que eu nem sabia que tinha feito e emendava: nunca mais vou fazer esse tipo de coisa. Mas a bebida é mais forte. A doença é séria. Passava um tempo e eu fazia tudo de novo. Aí no dia seguinte eu tentava recuperar alguma dignidade voltando a prometer… E com o tempo as pessoas foram desacreditando no que eu dizia.

Nos primeiros dias do ano, especialmente no dia 1º, o peso da listinha para o novo ano se misturava ao cansaço e à dor da ressaca tremenda. Física e moral. O dia 31 de dezembro era sempre programado para beber até o amanhecer… Eram festas intermináveis que só seriam possíveis com muito álcool. Hoje vivo esse período na calmaria. Vibro por não estar com dor nenhuma no dia 1º e lembrar de tudo que fiz. É uma conquista e tanto. Sempre dizia que o primeiro dia de janeiro era internacionalmente conhecido como Dia da Ressaca. E há uma verdade nisso — vejo os memes na internet, escuto conversas de amigos festeiros, e mesmo dos mais reservados, que se preparam para o réveillon com muita antecedência e muitos tipos de drinques.

Não julgo, de jeito nenhum, porque acho que a maioria bebe em excesso nesse dia e não o ano todo, como era o meu caso. Na ativa, as manhãs eram terríveis. Sentia muita falta de ar e uma dor de cabeça monstruosa. Sem falar da tristeza por ter feito coisas que em sã consciência eu não faria. Ficava mais sensível e sentia muitas dores no corpo. Claaaro! O álcool não fazia nada bem para mim, ainda mais naquela quantidade absurda. Eu não tinha limite. Só parava quando o corpo desmaiava de cansaço. Com a ressaca brava, eu buscava imediatamente um remédio. Bebia muita Coca-cola e comia coisas gordurosas. Achava que me dava um certo alívio.

Fico vendo essa normalização da bebedeira e da ressaca. Outro dia estava numa farmácia e me deparei com um remédio para ressaca, que já existia na minha época, só que agora disponível em suco! O slogan é alguma coisa como: "Para você que é inimigo do fim, XXXX chegou para te salvar." Também vejo várias receitas na internet para amenizar o cachaçal. Eu mesma não sossegava, sempre em busca de um milagre. E isso era insano. Era como se eu comprasse soro antiofídico e pedisse para uma cobra me picar. Só que não existe soro para alcoólatra.

Tenho hoje uma espécie de ritual para os primeiros dias de janeiro. Penso que esse período vai representar tudo que vou fazer ao longo dos 365 dias que virão. Leio um livro, fico com pessoas de que gosto, como minhas comidas preferidas e tento filtrar apenas pensamentos bons, me isolar do estresse. É uma mudança e tanto, e tem sido muito bom e gratificante.

Começar o ano zerada me dá um alívio, me faz acordar e pensar: vai ser mais um dia normal, como outro qualquer. Não faço promessas praticamente impossíveis, ainda mais que devem ser cumpridas ao longo de um ano. Minha meta é viver um dia de cada vez. O ano todo é muita coisa para administrar. Com metas reais, começo o dia (o ano) fazendo tudo que me proponho e isso me dá uma enorme satisfação. Parei de falar, falar e falar. Agora faço.

De pouquinho em pouquinho, vou completando tarefas sem fazer muito alarde. Desde que comecei a minha recuperação, fui traçando pequenas tarefas diárias que consigo cumprir. E foi assim que fui virando a chave. Sem grandes promessas mas com pequenos feitos. É o melhor a se fazer no meu caso. Desejo para vocês o que quero para mim também: muito amor e consciência para todos os dias de 2024. Sem beber, no meu caso, tudo fica bem mais fácil.

*

Siga o blog Vida de Alcoólatra no Instagram - @alicealcoolatra

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.