Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Ao gosto do freguês

Para tristeza dos perdedores, filé de ouro acaba com gosto de picanha argentina

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Contas. Planilhas. Balancetes.

Com o fim do ano, chega o tempo de calcular os lucros e os prejuízos.

No Banco de Investimentos Spekulum, os resultados eram animadores.

—Muito melhor que você tinha previsto, hein, Jorginho?

—O Paulo Guedes fez um bom trabalho.

—Pena que não ficou no governo.

—Ô, Carlos Edmundo, aí é sonhar demais... hahaha.

O grupo de jovens economistas planejou um almoço de comemoração.

O chef Pierre orquestrava as panelas do simpático bistrô La Chochotte.

A mesa estava reservada para cinco.

Jorginho teve a ideia de fazer um pedido especial.

—E aquele filé com ouro que serviram no Qatar?

—Com picanha argentina... haha.

Pierre não conseguia acreditar.

—Ourro na comíd? Mas que vulgarridád.

Carlos Edmundo olhou para Pierre com severidade.

—Francês metido a besta.

Pierre levantou o nariz.

—Ésses menínes da Farrie Lime... nón tén noçón de nád.

—Pô, Pierre... o que é que você tem contra o mercado?

Os franceses, em geral, perdem a paciência com rapidez.

—Chégue. Chégue desse arrogánce.

A mão de Pierre apontou para a porta revestida em couro.

—Forre daqui.

Jorginho e Carlos Edmundo teclaram no celular.

A resposta veio como um raio.

—Lamento, Pierre... mas esse filé vai ter de ser feito.

O celular não trazia mentiras.

—Seu restaurante foi comprado. Pelo Fundo Spekulum Luxo B-1.

No silêncio de seu apartamento, Pierre dá vazão ao ressentimento.

—A ignorránça dos brasilérres é desesperradorre.

A noite avançava pelos confins do Morumbi.

—Núnkeke eles vón entender de gastrronomie.

Ele deu um suspiro.

—O únic jéite é tocarr um tóngo arrgentíne.

O sono caiu sobre Pierre com a violência de um decreto.

Foi quando ele sentiu um cheiro peculiar.

Uísque. Cigarro. Loção de barba.

Um homem elegante se aproximava em passos suaves.

O smoking. Os traços bem vividos. O olhar cético e penetrante.

—Bogart? O grrónde astrre?

O mítico ator de "Casablanca" sorria com leve amargura.

—Esqueça tudo, Pierre.

Ele deu uma tragada no cigarro.

—Nós sempre teremos Paris.

Pierre acordou confuso.

—Eu nón via ésse filme há tante tempe...

De fato.

O cinema, como a arte culinária, muda constantemente.

Mas os clássicos não se esquecem jamais.

P. S. Com este texto, encerra-se a colaboração de Voltaire de Souza para a Folha Online.

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