Descrição de chapéu dinossauro

Fóssil de pterossauro brasileiro com vestígios de cor joga luz na origem das penas

Material, proveniente da bacia do Araripe, na região Nordeste, foi recentemente repatriado para o Brasil

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São Carlos (SP) e São Paulo

Os pterossauros, répteis alados que estavam entre os parentes mais próximos dos dinossauros, também tinham estruturas semelhantes a penas no corpo, afirma um novo estudo. Elas provavelmente combinavam funções como a regulação da temperatura e o reconhecimento de parceiros, tal como acontece com as aves atuais.

A descoberta só foi possível graças à excepcional preservação de estruturas microscópicas na pele de um pterossauro encontrado onde hoje é o Nordeste brasileiro. O fóssil, que corresponde à crista e crânio parcialmente preservados de um espécime do gênero Tupandactylus, provável espécie T. imperator, tem cerca de 115 milhões de anos e foi encontrado na Bacia do Araripe, entre os estados de Pernambuco, Ceará e Piauí.

Reconstrução de Tupandactylus cf. imperator, fóssil de pterossauro que viveu onde hoje é a região da Bacia do Araripe, no Nordeste brasileiro, há 115 milhões de anos
Reconstrução de Tupandactylus cf. imperator, fóssil de pterossauro que viveu onde hoje é a região da Bacia do Araripe, no Nordeste brasileiro, há 115 milhões de anos - Bob Nicholls/Divulgação

O fóssil provavelmente deixou o Brasil de forma ilegal, por meio do tráfico internacional que assola a região, mas foi repatriado neste ano por meio de um acordo entre o Instituto Real de Ciências Naturais da Bélgica, onde estava abrigado, e o governo brasileiro.

A cobiça por esse e outros fósseis do Araripe se explica justamente pela presença de detalhes dos tecidos moles (músculos, pele, vasos sanguíneos e até penas) nos exemplares da região, propiciada por condições geológicas que favorecem a preservação dessas estruturas.

O trabalho sobre o fóssil acaba de sair na revista científica Nature. Assinam o estudo dois pesquisadores brasileiros, Hebert Nascimento Campos, do Centro Universitário Maurício de Nassau, e Edio-Ernst Kischlat, do Serviço Geológico do Brasil, bem como cientistas europeus liderados por Aude Cincotta, ligada ao instituto belga.

Embora estejam longe de ser aves (grupo que é essencialmente um ramo dos dinossauros carnívoros que sobreviveu até nossa época), muitos pterossauros exibem grandes cristas e outros adornos que lembram os de seus parentes distantes modernos. É o caso do animal do Araripe, dono de uma crista vistosa e com uma envergadura de asas que podia chegar aos 3 metros. Também já se sabia que o corpo dos répteis voadores podia ser coberto por misteriosos filamentos. Essas estruturas às vezes são comparadas a pelos, mas nos últimos anos alguns pesquisadores têm defendido que elas seriam mais próximas das penas de aves e dinossauros.

A excelente preservação do fóssil de T. imperator permitiu que a equipe do novo estudo examinasse a estrutura dos filamentos presentes em regiões do crânio do bicho, comparando-a com penas fossilizadas de dinossauros, e também o interior deles. Acontece que, em outras pesquisas realizadas com fósseis, os paleontólogos conseguiram observar a presença dos chamados melanossomas (do grego, algo como "corpos negros").

Esses minúsculos sacos de pigmento, com conteúdo e formato variáveis, são parte importante da variedade de cores e brilhos que vemos nas penas das aves de hoje. A presença deles no exemplar de pterossauro seria, portanto, outra pista importante sobre a semelhança de seus filamentos com penas propriamente ditas.

O paleontólogo Hebert Campos afirma que embora não seja exatamente igual às penas das aves, as estruturas semelhantes às penas podem ajudar no entendimento da origem dessa morfologia nos animais. "A questão nomenclatural é apenas para ajudar no entendimento, o fato é que é um fóssil com essas estruturas extremamente bem preservadas", disse.

A análise revelou, em primeiro lugar, a presença de ao menos dois tipos diferentes de coberturas na pele do réptil voador do Araripe. Um deles, o mais simples, é um tipo de monofilamento —basicamente "pequenos fios" que surgem na epiderme do animal. O outro conta com estrutura muito mais complexa. Ele tem um eixo central mais duro, cuja ponta fina seria inserida na derme do pterossauro, e ramificações espaçadas de forma mais ou menos regular de cada lado, lembrando uma arvorezinha.

Esse desenho corresponde a algumas das principais partes das penas das aves, como o cálamo (a "raiz" da pena), a raque (o "caule" central) e as ramificações laterais. E ambos os tipos de filamentos podem ser encontrados em dinossauros com penas fossilizadas.

O formato e a distribuição dos melanossomas completam o quadro de grandes semelhanças com as penas de aves e dinos. Os saquinhos de pigmento apresentam diversos formatos (alongados, ovalados e esféricos), que se distribuem de forma específica nas diferentes estruturas da pele. Os monofilamentos contêm apenas melanossomas alongados, por exemplo, enquanto os das penas ramificadas são ovalados. Isso sugere fortemente uma variação de tipos e intensidade de cores na "plumagem" dos pterossauros, similar ao que se vê nas aves atuais.

Se as conclusões do estudo estiverem corretas, deve sair fortalecida a hipótese de que a origem das penas é um evento muito antigo. Já se imaginava que o ancestral comum de todos os dinossauros poderia ter sido penoso, considerando a presença desse tipo de cobertura em todos os principais subgrupos de dinos. Com os novos dados, é possível que o ancestral comum de dinossauros e pterossauros também fosse recoberto por penas, em alguma medida.

Para o biólogo Lucas Piazentin, que defendeu uma dissertação de mestrado na USP sobre a evolução dos tapejarídeos brasileiros, o fato de esse exemplar ter uma crista quase totalmente preservada o destaca dos demais do gênero Tupandactylus, que normalmente possuem só parte da crista e do crânio conservados. "Sabemos que existem outros exemplares com crista e pigmentação preservadas, e por isso é importante que esses fósseis voltem ao Brasil e sejam estudados por pesquisadores nacionais", afirma.

O trabalho também é uma vitória para a movimentação de pesquisadores de países em desenvolvimento, como o Brasil, que têm pedido a devolução de fósseis relevantes para seus países de origem.

"Eu fui a um encontro acadêmico alguns anos atrás e vi o trabalho descrevendo essas estruturas ser apresentado. Na época, o espécime estava em uma coleção estrangeira. Fico muito contente em ver que as políticas das revistas especializadas, como a Nature, estejam resultando na repatriação de fósseis brasileiros, como é o caso desse Tupandactylus", disse a paleontóloga Taissa Rodrigues, especialista em pterossauros da Universidade Federal do Espírito Santo.

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