Descrição de chapéu Financial Times genética

Startup traça plano improvável para ressuscitar mamutes

Desafios incluem obter múltiplas edições genéticas corretas, criar úteros artificiais e construir rebanho com diversidade suficiente

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Hannah Kuchler
Financial Times

George Church já ajudou a fundar quase 50 empresas baseadas em experimentos realizados em seu laboratório de genética, com objetivos que vão desde buscar curas para doenças ligadas ao envelhecimento até criar órgãos suínos para ser usados em transplantes humanos.

Mas seu projeto mais recente, Colossal Biosciences, é o mais esdrúxulo até agora. A startup sediada no Texas pretende lançar empresas e licenciar tecnologias para financiar a ressuscitação do mamute lanoso, do lobo-da-tasmânia e do dodô, todos animais extintos.

O plano é usar a edição genética para modificar embriões de animais conhecidos até que se assemelhem às espécies extintas. Até 2028, a empresa quer criar sua primeira versão de um mamute lanoso —um embrião de elefante, nascido de uma mãe elefante, mas que teve seus genes editados. Para Church, o cronograma é ambicioso, mas não inviável.

Ilustração de um esqueleto de mamute lanoso da Era do Gelo em exibição no Museu Page, nos Poços de Asfalto de La Brea, em Los Angeles, Califórnia (EUA)
Ilustração de um esqueleto de mamute lanoso da Era do Gelo em exibição no Museu Page, nos Poços de Asfalto de La Brea, em Los Angeles, Califórnia (EUA) - Museu - 21.nov.10/Reuters

Desde que a empresa foi cofundada por Church, em 2021, ela já levantou US$ 225 milhões (R$ 1,1 bilhão) de grandes investidores e celebridades que incluem o capitalista de investimentos Peter Thiel, o empreendedor Thomas Tull e Paris Hilton.

A empresa já gerou um "spinoff" no ano passado, a firma de softwares de biotecnologia Form Bio, levantando US$ 30 milhões (R$ 149,5 milhões), e espera capitalizar sobre outras tecnologias desenvolvidas ao longo do caminho para ajudar a financiar seu projeto monumental.

Ela prevê lucrar com parcerias com veículos de mídia que vão relatar a história de um projeto que está atraindo comparações com "Jurassic Park".

Mas, segundo Church, o objetivo principal não é trabalhar com espécies em perigo de extinção. "Podemos até doar muita dessa tecnologia no interesse da conservação e da boa vontade. Acho que o objetivo principal é o desenvolvimento de tecnologia."

Church passou anos dizendo que não imaginava que alguém quisesse financiar seu projeto do coração —a ressurreição do mamute lanoso. Mas em 2015, durante um café da manhã, Peter Thiel, cofundador do PayPal e da Palantir, lhe ofereceu US$ 100 mil (R$ 498 mil) pelo trabalho.

"Ele perguntou: ‘Quais são seus três maiores sonhos?’, e eu pensei que ele se interessaria pela reversão do envelhecimento. Mas não se interessou. Não imaginei que ele se interessasse por mamutes, mas foi o que aconteceu", contou Church.

Em 2018 Church viajou até a reserva natural experimental Parque do Pleistoceno, na Sibéria, onde estava trabalhando com o cientista russo Sergey Zimov sobre um plano para que mamutes fossem eventualmente soltos na natureza.

A Colossal acredita que a ressuscitação dos mamutes pode ajudar a restaurar a tundra ártica, evitando o descongelamento e a liberação de gases estufa armazenados.

O projeto enfrenta dois desafios enormes particulares. O primeiro é aumentar o número de edições genéticas que podem ser feitas simultaneamente, um processo conhecido como "edição multiplex", para chegar o mais perto possível de criar um mamute a partir de um embrião de elefante.

O segundo desafio é criar um sistema para incubar mamutes em úteros artificiais. Matt James, diretor da Colossal para animais, que entrou para o projeto depois de uma carreira profissional em zoológicos, onde se especializou em cuidar de elefantes, disse que o número de fêmeas reprodutivas em uma população sempre é o fator limitante quando se procura aumentar as populações de espécies ameaçadas.

"Se tivermos um útero artificial, de repente poderemos aumentar a população e ajudá-la a se recuperar em muito pouco tempo", ele disse.

Críticos dizem que os desafios tornam o projeto virtualmente impossível, ou não ecologicamente recomendável.

Matthew Cobb, professor de zoologia na Universidade de Manchester (ING), disse que os planos envolvem a criação de "um elefante que se pareça vagamente com um mamute ou um pombo que se assemelhe vagamente com um dodô".

"Não estão revertendo a extinção de nenhum animal: estão usando o poder da engenharia genética, alegam, para criar um híbrido estranho", ele disse.

A Colossal disse que não está tentando gerar clones exatos, mas criar uma espécie que possua características específicas que a tornem única.

Cobb acrescentou que também seria difícil construir uma população que se reproduz, já que para isso seria preciso ter pelo menos algumas centenas de animais, o suficiente para assegurar diversidade genética.

Stuart Pimm, ecologista da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA), que estuda extinções nos tempos atuais, disse que um único mamute lanoso teria dificuldade para sobreviver —e um rebanho com número suficiente de animais necessitaria de um espaço enorme.

"Se você tivesse um mamute lanoso isolado, a única coisa que poderia fazer seria colocá-lo em um cercado. Seria revoltante —você teria feito todo esse esforço para criar algo apenas para um peep show", ele disse. "Então, não sendo assim, quantos mamutes lanosos você precisaria ter? Precisaria de 50, possivelmente cem, e precisaria de mil quilômetros quadrados nos quais colocá-los."

James concordou que os mamutes seriam "altamente sociáveis" e precisariam de "uma estrutura de rebanho forte"; por isso mesmo, a Colossal planeja criar rebanhos de mamutes geneticamente diversos para proporcionar essa estrutura. Ele disse que a empresa está procurando identificar locais com espaço suficiente para um rebanho e está tendo discussões com alguns governos estaduais dos EUA.

A Colossal disse que também está trabalhando com governos sobre ideias para preservar espécies em perigo de extinção.

Se você tivesse um mamute lanoso isolado, a única coisa que poderia fazer seria colocá-lo em um cercado. Seria revoltante. você teria feito todo esse esforço para criar algo apenas para um peep show

Stuart Pimm

ecologista da Universidade Duke

Ben Lamm, o empreendedor serial que é cofundador e executivo-chefe da Colossal, disse que a Form Bio é apenas a primeira das oportunidades de spinout da empresa.

A Colossal criou o software por trás da Form Bio para operar seus próprios laboratórios e depois o vendeu a outros laboratórios das áreas de biotecnologia e acadêmica. Lamm, que faz parte de seu conselho de direção, disse que a Form Bio está trabalhando com outras companhias em projetos como usar a aprendizagem de máquina para criar medicamentos, com a oportunidade de participar de joint ventures e compartilhar receitas.

Lamm pensa que a Colossal pode formar parcerias com a indústria farmacêutica ou de biotecnologia para usar com humanos as novas ferramentas de edição multiplex que está desenvolvendo. Usando técnicas de edição genética como o Crispr, estão sendo desenvolvidos tratamentos para doenças causadas por um único gene defeituoso, como a anemia falciforme. A edição genética multiplex poderia permitir o tratamento de condições causadas por genes múltiplos.

Eriona Hysolli, diretora de ciências biológicas da Colossal, mencionou algumas das possibilidades da edição genética: "Com a edição multiplex, talvez possamos atuar diretamente sobre as células ou os tecidos doentes. Talvez possamos trabalhar com genes múltiplos ao mesmo tempo —não apenas doenças monogênicas, mas doenças multigênicas como diabetes ou Alzheimer."

Lamm espera que a equipe de 17 pessoas que está trabalhando com os úteros artificiais crie tecnologia que possa ser licenciada ou dar lugar a outra empresa para ajudar com a reprodução humana. "É um pouco como Marte. Muitas pessoas estão trabalhando sobre isso, e acredita-se que um dia chegarão lá. Penso mais ou menos a mesma coisa sobre o desenvolvimento extrauterino."

Enquanto isso, a Colossal está trabalhando com maneiras de divulgar seu projeto ainda mais e ganhar receita com parcerias de mídia.

Lamm disse que todos os grandes estúdios de entretenimento procuraram a Colossal para expressar interesse em filmar seu trabalho. Vários dos investidores da companhia têm passado profissional na mídia, entre eles Tull, ex-presidente e executivo-chefe da Legendary Entertainment.

"Queremos educar e inspirar, criando mamutes e dodôs", disse Lamm.

Pode haver oportunidades para conhecer animais criados pela Colossal, mas James disse que a empresa ainda não decidiu quanto acesso quer dar ao público.

Ele rejeitou comparações com "Jurassic Park". "Essa comparação não me agrada, porque acho que estamos fazendo este trabalho para fins que não são frívolos. Também penso que provavelmente estamos levando mais considerações éticas em conta."

Mas Church pensa que o filme fez um favor aos cientistas, por incentivar as pessoas a pensar sobre o que pode dar errado. "Ele nos vacinou contra determinados cenários. Dificilmente cometeremos os mesmos erros que foram cometidos em ‘Jurassic Park’. Antes de mais nada porque não estou com pressa de criar carnívoros colossais."

Tradução de Clara Allain

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