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'Empatia é um caráter que evoluiu em diversos animais, não só humanos', diz primatólogo

Para Frans de Waal, temos mais semelhanças do que diferenças com nossos parentes próximos

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São Paulo

O que faz de nós, humanos, fundamentalmente humanos?

Há quem diga que é nosso domínio da língua; outros, a nossa estrutura social complexa, ou ainda a empatia que temos pelos outros.

Embora esses sejam bons candidatos à definição de ser humano, o primatólogo holandês Frans de Waal acredita que, individualmente, eles não definem a particularidade da nossa espécie. Isso porque os mesmos aspectos estão presentes em outros primatas.

Para ele, que passou décadas estudando bonobos e chimpanzés na natureza, nós possuímos mais semelhanças do que diferenças com os grandes primatas.

"As nossas relações sociais são complexas, mas também vi relações do tipo em bonobos e chimpanzés. A ideia de que o comportamento animal só existe para a sobrevivência e reprodução do indivíduo já foi derrubada", disse, em entrevista à Folha.

Primatologista holandês Frans de Waal - Catherine Marin

A empatia, ou o sentimento de compaixão com os outros, é um caráter que evoluiu em diversos animais não humanos. Já a crueldade —que muitos humanos praticam contra membros da mesma ou outras espécies— não é tão comum. "Às vezes os chimpanzés fazem provocações e demonstrações de poder, mas só conheço um animal que pratica tortura contra outros", disse.

Ele também refuta a ideia de que nossa sociedade evoluiu a partir de uma dominância do gênero masculino. "Existem sociedades de primatas lideradas por fêmeas, e há sempre uma cooperação entre os machos e as fêmeas alfa de chimpanzés. Definir que apenas um dos dois sexos é naturalmente dominante não tem base biológica", avalia.

A empatia é inerente ao ser humano ou existe também em outras espécies?
Estudos já comprovaram que outros animais têm empatia. Se você tem um cachorro, sabe que ele tem empatia por seu dono, porque quando você está chateado ele também fica. Em meu livro anterior ["A Era da Empatia"], eu descrevo como chimpanzés às vezes abraçavam e acariciavam aqueles que perderam uma luta ou estavam aflitos, um comportamento que eu via como uma espécie de consolo, já que a visão convencional da psicologia sobre empatia focava a capacidade cognitiva de imaginar-se no lugar de outra pessoa, mas ela é muito mais ser sensível ao estado emocional do outro, reagir com felicidade quando alguém está feliz ou com tristeza quando está triste.

A ideia de que o comportamento animal só existe para a sobrevivência e reprodução do indivíduo já foi derrubada.

Acredita que há um componente evolutivo na empatia?
Acredito que a origem da empatia é o cuidado materno, por isso as mulheres em geral são mais empáticas do que os homens. E a partir daí se espalhou também para outras relações. As nossas relações sociais são complexas, mas também vi relações do tipo em bonobos e chimpanzés. Se você vive em uma sociedade onde depende dos outros para caçar ou escapar de predadores, a empatia evolutiva não é aquilo que você faz pelo outro altruisticamente, mas também com benefício próprio.

A vantagem de ser empático seria então para garantir a nossa sobrevivência?
Acho que a capacidade de sentir empatia evoluiu a partir disso. Agora, os humanos vão um nível acima e são empáticos também com outras espécies, e evolutivamente não há nenhuma vantagem disso. Eu diria que esse não é o uso natural ou biológico da empatia, mas também não sou contra isso.

O quanto do nosso comportamento é evolutivo e o quanto é cultural?
Isso é quase impossível de separar. Se formos avaliar a importância das famílias nucleares, com o homem envolvido no cuidado da prole, isso provavelmente evoluiu nos ancestrais de hominídeos. As fêmeas de bonobos e chimpanzés fazem tudo sozinhas, mas nos humanos isso deve ter evoluído a partir de uma necessidade de proteção ou do cuidado superficial com os mais jovens.

Retrato de uma chimpanzé
Retrato de uma chimpanzé - Frans de Waal

Em relação ao gênero, existem certas diferenças presentes em todos os primatas, então é lógico pensar que há biologia envolvida. Ao mesmo tempo, diferenças culturais presentes em algumas sociedades humanas muito provavelmente não têm teor biológico.

Existem sociedades de primatas lideradas por fêmeas, e há sempre uma cooperação entre os machos e as fêmeas alfa de chimpanzés. Definir que apenas um dos dois sexos é naturalmente dominante não tem base biológica.

Quais lições podemos aprender sobre sexo e gênero entre os primatas?
Acredito que existam algumas diferenças quase universais entre os primatas, como por exemplo as fêmeas de chimpanzés se interessam por bebês e bonecas, enquanto se você der bonecas aos machos, eles podem destruí-las. E isso tem relação com o aprendizado, porque elas aprendem com as mais velhas a serem maternais, enquanto os machos desenvolvem habilidades de luta e competição.

Agora, há diferenças que as pessoas acreditam que existem, mas não estão lá. No caso da espécie humana, um exemplo é que os homens são melhores líderes do que as mulheres. Temos vários exemplos de líderes femininas que são melhores do que homens de mesma posição. Recentemente, li que havia um grande líder viking que foi enterrado e que os cientistas agora afirmam que era uma mulher.

Chimpanzé Donna; nascida com o sexo feminimo, ela tinha corpo e hábitos masculinos
Chimpanzé Donna; nascida com o sexo feminimo, ela tinha corpo e hábitos masculinos - Frans de Waal/cortesia de Victoria Horner

Por outro lado, nós somos a única espécie que tem preconceito com indivíduos que fogem à norma. Primatas têm disputa de liderança e poder na hierarquia social, mas se existem indivíduos do sexo feminino que fazem sexo com outras fêmeas, elas não são discriminadas.

Eu costumava chamar os bonobos de bissexuais porque não acho que faz muito sentido diferenciar entre heterossexuais e homossexuais. A homossexualidade exclusiva é rara, mas o comportamento em si não é incomum. O que nunca vi foi a intolerância com esses indivíduos, eles os aceitam como são.

Intrinsecamente diferimos dos demais primatas porque criamos leis a partir da nossa moral?
Os chimpanzés também têm regras em sociedade. Por exemplo, se um macho estiver lutando com outro, o grupo não dá muita importância para isso. Agora, se um macho hierarquicamente mais alto mostrar os dentes para um macho jovem, todas as fêmeas irão atrás dele e ele será expulso do bando. Portanto, há um senso de justiça e um senso de igualdade, aspectos que desempenham um papel também na moralidade humana.

Um bonobo macho por cima de uma fêmea acasalando
Um bonobo macho por cima de uma fêmea acasalando - Frans de Waal

Existem ações de crueldade com outros indivíduos?
Uma vez que você tem empatia, a crueldade também pode existir, mas não os vejo fazendo isso com frequência. Uma vez li sobre chimpanzés que jogavam farelo de pão de um lado do galinheiro para atrair as galinhas e, quando elas se aproximavam, as espetavam com gravetos afiados. Não tinham intenção de pegá-las nem comê-las, só espetá-las com os gravetos.

Às vezes os chimpanzés fazem provocações e demonstrações de poder, mas só conheço um animal que pratica tortura contra outros.

É como interpretar os relatos de orcas que estão virando barcos como ‘vingança’?
Sim. Não acredito que haja esse tipo de contexto, podem ser apenas comportamentos de exibição ou de disputa entre machos. Acredito que a crueldade é uma característica muito humana, e que outros animais, mesmo outros símios, também são capazes disso, mas não os vejo fazendo em grande escala.


RAIO-X
Frans de Waal, 74

Nasceu na Holanda, é professor de psicologia da Universidade Emory e diretor do Centro Living Links no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa sobre Primatas, em Atlanta, nos Estados Unidos. É autor de diversos livros, entre os quais "O Último Abraço da Matriarca" e "Somos Inteligentes o Bastante para Saber Quão Inteligentes São os Animais?". Publicou centenas de artigos científicos em revistas como Science, Nature e Scientific American e publicações especializadas em comportamento animal. Foi eleito para a Academia Nacional de Ciências (EUA), bem como para a Academia Real Holandesa de Artes e Ciências.

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