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4 formas de entender o conceito de multiverso, segundo a ciência

O multiverso é alucinante, e o renomado físico Max Tegmark nos leva em uma jornada por todos os universos (provavelmente) existentes

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Max Tobin
BBC News Brasil

Imagine a seguinte situação: é dia de uma entrevista de emprego importante, mas você dormiu demais, então se veste rapidamente, pega algo para comer e corre para o ponto de ônibus.

Mas você não consegue chegar a tempo, então não tem escolha a não ser ir andando.

Ilustração com esferas coloridas
Ilustração com esferas coloridas - BBC via Getty Images

Você verifica o relógio ao virar a esquina e colide com um pedestre desavisado. Revoltado, você o xinga e segue seu caminho.

Você finalmente chega ao compromisso, suado e agitado, e logo descobre que o seu entrevistador é aquele pedestre contra quem você acabou de lançar uma enxurrada de palavrões.

Sim, às vezes parece que o universo simplesmente não está ao seu lado.

Mas, felizmente, há muitos caminhos para escolher.

Devido ao afeto excessivo de nossos pais, muitos de nós vivemos sob a falsa impressão de que somos, por algum motivo, especiais.

É uma mistura totalmente única de átomos e histórias pessoais que se combinam para formar aquela pessoa preciosa que chamamos de "eu".

A questão é que o mundo da física contemporânea nos diz exatamente o oposto.

Ele nos diz que em algum lugar do vasto cosmos existem outros mundos nos quais versões idênticas de você vivem felizes, com a impressão de que elas, e somente elas, são o verdadeiro você.

Nosso guia no multiverso: o sueco-americano Max Tegmark, professor do MIT e um dos fundadores do Instituto para Questões Fundamentais
Nosso guia no multiverso: o sueco-americano Max Tegmark, professor do MIT e um dos fundadores do Instituto para Questões Fundamentais - BBC

Estou me referindo, claro, ao multiverso, uma teoria que sustenta que o nosso universo nada mais é do que um de muitos universos infinitos, de infinita variedade.

Agora, isso pode parecer muito louco, e essa teoria é, na verdade, baseada em ciência bastante sólida.

No início da década de 1980, os pesquisadores decidiram medir o brilho residual do Big Bang (origem do universo) e fizeram a surpreendente descoberta de que os níveis de radiação eram idênticos em extremos opostos do universo observável.

Isso levou a uma teoria chamada inflação cósmica, que é a ideia de que após o Big Bang, o espaço-tempo se expandiu a uma velocidade vertiginosa, criando um plano cósmico uniforme e potencialmente infinito.

"Quando falamos do nosso universo em astrofísica, não nos referimos a todo o espaço, mas apenas a uma região esférica a partir da qual a luz teve tempo de chegar até nós durante os 13,8 mil milhões de anos desde o nosso Big Bang", explicou o renomado físico e cosmólogo Max Tegmark à BBC.

"Se esse é o nosso universo e o espaço é maior que isso, então, por definição, existem outros universos também, cheios de galáxias e outras coisas interessantes que são tão reais quanto o nosso."

"As pessoas lá chamariam isso de seu universo."

Então, se existem outros mundos por aí, como seriam?

Nível 1: Inflação cósmica

Imagens de mulheres com diversos rostos em um prisma
Seremos multidões? - BBC via Getty Images

"O multiverso de nível I são apenas outras regiões do espaço, do tamanho do nosso universo", diz Tegmark.

"A única diferença é que as partículas lá começaram em lugares ligeiramente diferentes das daqui, então o Reino Unido poderia ter perdido a 2ª Guerra Mundial em vez de vencê-la; meu nome pode não ser Max Tegmark, mas Max Shmerkark..."

"Por mais improvável que seja que exista uma cópia minha com alguma outra característica, essa probabilidade não é zero, porque aconteceu aqui que eu existo nesta forma, então se você jogar os dados infinitas vezes, haverá outras cópias de mim, alguns muito parecidos e muitos outros que são um pouco parecidos comigo, mas diferentes."

O que isso significa para você?

Bem, a probabilidade diz que em algum lugar do cosmos existe uma versão sua que não adormeceu no dia da entrevista e outra que conseguiu pegar o ônibus. Mesmo aquela que nunca foi à entrevista, por ser atleta ou astronauta.

A questão é que existem infinitas possibilidades nesse plano, infinitas reconstruções átomo por átomo, limitadas apenas pela sua conformidade com as leis físicas do nosso universo.

Mas e se não houvesse limites em relação a isso?

Nível 2: Inflação caótica eterna

Mundos em que talvez sejamos feitos de música
Mundos em que talvez sejamos feitos de música - BBC via Getty Images

"O multiverso de Nível 2 ainda é um espaço infinito, como o multiverso de Nível 1, mas é muito mais diversificado", diz Tegmark.

"Se você for muito longe no espaço, alcançará regiões onde não apenas a história se desenvolveu de maneira diferente, mas também aprenderá coisas diferentes nas aulas de física."

"Isso porque aprendemos que mesmo o que consideramos espaço vazio é provavelmente uma substância, que pode congelar e derreter, e assumir muitas formas diferentes."

"Aquele processo de inflação que acreditamos ter criado esse vasto espaço cósmico foi tão violento que criou uma quantidade infinita de cada tipo de espaço."

No nível 2, todas as leis físicas são jogadas pela janela.

Talvez em outro universo, a gravidade funcione de maneira diferente. Talvez sejamos feitos de som ou sejamos bolas planas, ou talvez estranhas e flutuantes de energia que existem em 12 dimensões.

Não só todo universo concebível é possível, mas também todo universo inconcebível, se você puder imaginá-lo, o que não pode, por definição.

Nível 3: Multiverso quântico

Cada versão faria o que quisesse, sem saber da existência da outra
Cada versão faria o que quisesse, sem saber da existência da outra - BBC via Getty Images

"Enquanto os universos paralelos de Nível 1 e 2 estão muito, muito distantes em nosso próprio espaço, o multiverso de Nível 3 está aqui em certo sentido, nessa coisa chamada espaço quântico de Hilbert", explica Max Tegmark.

"Sabemos que as partículas elementares podem estar em dois lugares ao mesmo tempo."

"Mas eu sou feito de partículas elementares, então se elas podem estar em dois lugares ao mesmo tempo, eu também posso."

"Então, uma versão minha poderia estar aqui conversando com você, enquanto outra versão minha tirava sorvete do freezer e o comia em outro lugar."

"E foi descoberto um efeito de censura quântica chamado "decoerência" que explica por que essas duas versões de Max desconhecem completamente uma da outra."

"Então parece que a realidade está se ramificando em ramos paralelos."

"Mas aqueles dois Maxes, o que está tomando sorvete agora e o que está conversando com você, sentem que são os únicos."

Nível 4: Multiverso matemático

Ilustração de fórmulas matemáticas com o universo ao fundo
Ilustração de fórmulas matemáticas com o universo ao fundo - BBC

"O multiverso de Nível IV é o mais diverso de todos."

"Nele, toda realidade física que corresponde a uma estrutura matemática - que pode ser descrita com a matemática - existe não apenas matematicamente, mas também fisicamente", diz o físico.

"Então você poderia ter um universo onde o tempo nem mesmo flui continuamente, mas discretamente, como um jogo de computador; ou até mesmo ter alguns universos que simplesmente não têm tempo."

Para esclarecer, Tegmark enfatiza que "não é que o multiverso de nível 4 exista no espaço e no tempo, mas sim que o espaço e o tempo existam em alguns desses universos de nível IV".

No nosso universo, diz ele, "temos espaço e tempo, temos o tipo certo de física de partículas elementares que sustenta a vida".

"Portanto, vivemos num oásis, e toda a realidade é como uma enorme versão do deserto do Saara, com um oásis ocasional aqui e ali."

Mas e então?

Nem tudo é tão redondo
Nem tudo é tão redondo - BBC via Getty Images

Os multiversos são previsões baseadas em teorias científicas muito bem fundamentadas, então, pelo menos por enquanto, parece que tudo isso veio para ficar.

E talvez esteja tudo bem.

Afinal, a ciência é apenas uma ferramenta que usamos para investigar o mundo que nos rodeia.

Quando descobrimos algo que pode desencadear crises existenciais, não é que o mundo tenha mudado, mas simplesmente começamos a olhar para ele com novos olhos.

"Algumas pessoas me perguntam como o nosso universo dá sentido às nossas vidas como seres conscientes, mas, na verdade, é o contrário: somos nós que damos sentido ao nosso universo", diz Tegmark.

"É através de nós, pequenas partes minoritárias do nosso universo que têm a complexidade de experimentar as coisas, que o nosso universo pode se tornar consciente de si mesmo."

Quem sabe, talvez quando finalmente aceitarmos que somos apenas grandes macacos sentados em uma rocha, viajando a 108 mil km/h através de uma extensão potencialmente infinita, seremos capazes de parar de levar tudo tão a sério.

*Este artigo foi adaptado do vídeo feito por Max Tobin e Dill Steele para a BBC Reel. Se você quiser assistir a versão original, clique aqui.

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