'Gravidez virgem' de raia em tanque só com tubarões na verdade era alarme falso

Aquário americano anunciou que Charlotte sofre com uma doença rara reprodutiva

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São Paulo

A história da Charlotte, raia da espécie Urobatis halleri que ficou famosa após ficar "grávida" em um tanque em que só havia tubarões de uma outra espécie —ou seja, teve uma "gravidez virgem"—, era, na verdade, alarme falso.

Segundo funcionários do Aquarium & Shark Lab, em Hendersonville, no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, Charlotte sofre de uma doença rara reprodutiva que "impactou negativamente seu sistema reprodutivo". O anúncio foi feito na última sexta-feira (31) nas redes sociais da empresa.

Charlotte, uma raia da espécie Urobatis halleri, não estava grávida afinal de contas - Reprodução/teamecco no Instagram

O aquário divulgava diariamente nas suas redes fotos e vídeos do animal, inclusive de exames de ultrassonografia, que poderiam indicar uma possível formação de embriões no útero da raia.

Porém, após mais de 40 dias sem nenhuma nova postagem, os seguidores do local questionaram a falta de atualização e o fato de, devido ao tempo de gestação da espécie, os filhotes já deveriam ter nascido.

Os funcionários do Team Ecco, que gerencia o aquário, posicionaram-se oficialmente sobre o ocorrido em uma postagem na conta do Instagram.

"Lamentamos o atraso das atualizações sobre Charlotte. Este tempo foi necessário para reunir dados e analisar os resultados de exames laboratoriais (...) que foram compartilhados com nossa equipe de veterinários. Os exames mostram que Charlotte desenvolveu uma rara doença reprodutiva que impactou negativamente seu sistema reprodutivo. Os achados são realmente um desenvolvimento médico triste e inesperado", diz o comunicado.

Dizem, ainda, que estão trabalhando com veterinários e especialistas para entender melhor a doença e o tratamento e que "embora a pesquisa sobre essa doença seja limitada, esperamos que o caso de Charlotte e o tratamento médico possam ajudar outras raias no futuro".

"Agradecemos o incrível apoio e amor por Charlotte. Por favor, respeite Charlotte e a equipe de veterinários e cuidadores enquanto lidamos com essa notícia inesperada e trabalhamos para determinar o melhor caminho a seguir. Atualizações serão fornecidas conforme possível", completa a nota.

A doença não foi revelada, mas um especialista disse ao The Post que é provável que tenha sido um caso de "condição policística", quando um "ovo" começa a se desenvolver no útero devido a uma mudança hormonal, sem que haja de fato um embrião fecundado.

Ela pode ter ainda passado pela falsa gestação devido a essa alteração hormonal —não está claro, ainda, o que exatamente apareceu nas imagens de ultrassonografia compartilhadas. A reportagem solicitou ao aquário mais esclarecimentos, mas a equipe de comunicação disse, por email, que irá atualizar o caso na próxima semana e que "agradece a compreensão e gentileza enquanto acompanhamos a notícia que a Charlotte não terá filhotes no momento e focamos em sua recuperação".

O anúncio da suposta gravidez do animal levou internautas a questionarem a possibilidade de que a raia teria se reproduzido com o tubarão macho de outra espécie com o qual divide o aquário.

Mas isso não seria possível, explica a bióloga Patrícia Charvet, da Universidade Federal do Ceará. "Essas espécies são muito diferentes, e as raias e tubarões têm uma reprodução que é espécie-específica, como se fosse uma chave e uma fechadura. Por isso, não seria possível o cruzamento entre espécies tão distantes assim, que já divergiram na árvore evolutiva há mais de 300 milhões de anos", diz.

A alternativa, então, seria um fenômeno chamado de partenogênese, do grego, "geração virgem", ou seja, quando as espécies se reproduzem sem que haja fecundação.

Em geral, o modo de reprodução dos animais é sexuado, quando junta o espermatozoide (do macho) com o óvulo ou ovócito (da fêmea) para fecundação. Essa fecundação pode ocorrer com ou sem cópula, com a liberação dos gametas (tanto masculinos quanto femininos) em um meio aquático.

A maioria dos tubarões e raias se reproduz de maneira sexuada e tem geração de filhotes vivíparos, isto é, as fêmeas dão à luz a filhotes já inteiramente formados, e não ovos.

Já na partenogênese, há uma "falha" na divisão celular na hora de formar o gameta feminino, gerando os filhotes que são geneticamente muito parecidos à mãe.

Esse fenômeno já foi documentado para abelhas, répteis e peixes. Ele pode ocorrer frente a uma elevada pressão ambiental e quando a população de machos, por exemplo, for menor –isso ocorre em espécies de lagartos para "equilibrar" os machos e fêmeas na população.

No caso de tubarões e raias, há registros –poucos– no mundo, todos em cativeiro. Não há, porém, registros na natureza. Há também, mas é mais raro, casos em que as fêmeas ficam grávidas alguns anos após o contato inicial com o macho, porque elas conseguem guardar os gametas masculinos no corpo.

"Isso foi registrado em uma fêmea de tubarão-bambu [Chiloscyllium punctatum] em cativeiro que teve filhotes e, ao fazer a análise de DNA, viram que tinha material genético de um tubarão macho, o que indica que houve a reprodução sexuada nesse caso", explica André Casas, zoólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo, campus da Baixada Santista.

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