Raia fica 'grávida' em tanque só com tubarões nos EUA; entenda como isso acontece

Partenogênese é um processo sem sexo entre os animais e existe para diversas espécies, inclusive a da americana Charlotte

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São Paulo

Nas últimas semanas, uma história curiosa chamou a atenção de especialistas, entusiastas da natureza e visitantes de um aquário em Hendersonville, no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

Charlotte, uma fêmea de raia da espécie Urobatis halleri com idade estimada em 12 anos que vive no local, apareceu "grávida" —sim, alguns peixes, como algumas espécies de raias e tubarões, carregam os filhotes na barriga que nem as mamães humanas, em um processo conhecido como viviparidade.

Charlotte, a raia da espécie Urobatis halleri, deixou muitos curiosos depois de engravidar, já que não há raias machos em seu aquário - Reprodução/teamecco no Instagram

O que poderia ser uma coisa comum, já que o aquário é conhecido por ter muitos animais que vivem e se reproduzem ali, intrigou os cuidadores, já que ela era a única da sua espécie no aquário, sem nenhuma raia macho que poderia ser o pai de sua prole.

"O que é único sobre Charlotte é que não temos uma raia macho", disse Brenda Ramer, diretora do Aquarium & Shark Lab (aquário onde a Charlotte vive) em um vídeo no Facebook.

A história da raia Charlotte é um caso raro de um fenômeno que os cientistas chamam de partenogênese. Essa palavra um pouco esquisita significa, em grego, "geração virgem", ou seja, quando espécies animais se reproduzem sem que haja fecundação —ou o "namoro" entre eles.

A bióloga Patrícia Charvet, da Universidade Federal do Ceará, explica que há alguns registros de partenogênese em raias e tubarões, principalmente em animais que vivem em cativeiro. "Como ela estava isolada em um aquário sem nenhum macho da sua espécie há oito anos, acabou ocorrendo esse fenômeno conhecido como partenogênese", disse.

Algumas pessoas até chegaram a apostar que nasceria um híbrido de raia e tubarão, já que um tubarãozinho de outra espécie vivia no mesmo aquário que ela, mas isso não é possível, segundo a especialista.

"Essas espécies são muito diferentes e as raias e tubarões têm uma reprodução que é espécie-específica, como se fosse uma chave e uma fechadura. Por isso, não seria possível o cruzamento entre espécies tão distantes assim, que já divergiram na árvore evolutiva há mais de 300 milhões de anos", explica.

A maioria dos animais se reproduz de maneira sexuada, ao contrário de bactérias e fungos, que são assexuados. Isso significa que para produzir descendentes, um macho e uma fêmea da mesma espécie se juntam. Esse processo ocorre pela fecundação do óvulo (da fêmea) pelo espermatozóide (do macho).

Algumas espécies têm a fecundação externa, como muitos peixes e alguns invertebrados aquáticos, colocando os ovos na água e o macho libera os espermatozóides para a fecundação. Em outros, como nós, mamíferos, esse processo é interno, e aí os indivíduos dos sexos opostos trocam contato íntimo.

Na reprodução sexuada, metade do material genético dos filhotes vem da mãe (gameta feminino), e a outra metade do pai (gameta masculino), garantindo que os genes de ambos sejam passados para as futuras gerações.

Já na partenogênese, como no caso da Charlotte, o que ocorre é um processo de "falha" na divisão celular na hora de formar o gameta feminino, gerando os filhotes que são geneticamente muito parecidos à mãe, explica Charvet.

"Nós podemos esperar o nascimento de raias que são uma versão ‘mini’ da Charlotte, como uma miniaturazinha do adulto, e que depois irão crescer", afirmou. A bióloga lembra, ainda, que o tempo de gestação da raia da espécie da Charlotte é de aproximadamente quatro meses, mas algumas espécies maiores têm gestações que duram até 13 meses. "São gestações mais longas que nos humanos."

A cientista afirma que o fenômeno pode até ocorrer na natureza, mas o seu registro é mais difícil, pois seria preciso fazer um teste genético em todos os animais para saber se carregam genes só da fêmea.

Em outros grupos de animais, como em alguns lagartos e insetos, biólogos já observaram o fenômeno quando há uma baixa quantidade de machos na população, ajudando assim a dar continuidade à espécie.

O zoólogo e professor da Universidade Federal de São Paulo, campus da Baixada Santista, André Casas explica que a partenogênese não é a mesma coisa que uma clonagem. "Ela é uma estratégia que visa a reprodução da espécie quando não há condições adequadas para que haja a reprodução sexuada, como estresse. O problema é que não traz variabilidade genética, mas é importante diferenciar de uma clonagem, que é outra coisa."

Na clonagem, algumas espécies conseguem gerar um novo organismo através de uma parte do animal, como nas anêmonas marinhas. Neste caso, não há troca de material genético, e a nova anêmona é um clone da mãe.

Ele também lembra outros seis casos já registrados de fêmeas de tubarões que ficaram grávidas sem machos, todos em aquários. Há também, mas é mais raro, casos em que as fêmeas ficam grávidas alguns anos após o contato inicial com o macho, porque elas conseguem guardar os gametas masculinos (chamado de esperma) no corpo.

"Isso foi registrado em uma fêmea de tubarão-bambu [Chiloscyllium punctatum] em cativeiro que teve filhotes e, ao fazer a análise de DNA, viram que tinha material genético de um tubarão macho, o que indica que houve a reprodução sexuada nesse caso", afirma.

Casos assim só mostram a diversidade de formas de reprodução existentes nos grupos animais, e como os pesquisadores ainda ficam intrigados com elas.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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