A decisão do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de adiar o envio ao Congresso de um projeto robusto de reforma do Imposto de Renda é, provavelmente, um dos mais importantes sinais da estratégia da equipe econômica neste ano.
Após a Fazenda ter conseguido ancorar as expectativas em torno da possibilidade real de entregar um resultado das contas públicas bem mais próximo da meta de déficit zero, a agenda de Haddad ficará concentrada na tentativa de aprovar uma boa regulamentação da reforma tributária e o pacote de nove projetos para reduzir os juros bancários e limpar o canal de crédito.
Ao esforço acima, soma-se a busca de um acordo com deputados e senadores menos doloroso para o bolso do Tesouro em torno dos projetos da desoneração da folha de pagamento das empresas, municípios e do Perse (o programa de incentivos para o setor de eventos).
Ao optar por uma reforma do IR só para cumprir tabela, Haddad quer evitar uma derrota fragorosa no Legislativo e busca mitigar a perda de arrecadação.
No mais, Haddad terá que segurar as genialidades, para usar uma palavra já empregada pelo próprio Lula, que dia sim dia também surgem na Esplanada e no Congresso em ano de eleição nos municípios.
O governo não quis encaminhar uma proposta ampla de reforma do Imposto de Renda —sem chances de ser aprovada com a volta da tributação de lucros e dividendos— e, ao fim, deixar o projeto na chuva sob ataque de críticos. O risco de a proposta ficar inviabilizada seria muito alto.
A sinalização da estratégia da Fazenda foi dada nesta sexta (15) por Bernard Appy, secretário de reforma tributária, que disse que a reforma do IR não será "um grande projeto". Um dia antes, integrantes da Fazenda davam como certo que a proposta nem sequer seria enviada —o que implicaria no descumprimento de um comando constitucional aprovado na reforma tributária.
O fim da isenção do Imposto de Renda dos lucros e dividendos (o benefício existe desde 1995) é central para a reforma, mas ficou bem mais difícil (ou quase impossível) conseguir avançar nos termos que o governo Lula quer para incrementar a arrecadação e garantir maior justiça no sistema tributário.
Para isso, seria necessário garantir um saldo positivo de arrecadação entre a volta da tributação e a redução do Imposto de Renda das empresas —medida sem a qual a reforma não passa.
Em ano eleitoral, Haddad teria de lidar com a pressão política para o governo entregar nessa reforma a promessa de campanha de Lula de aumentar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física para R$ 5 mil. Ao fim e ao cabo, o risco seria de perda de receita.
Não foi uma decisão fácil para a Fazenda, porque a tributação de lucros e dividendos é uma pauta cara à esquerda.
Haddad tampouco quis comprometer a aprovação da regulamentação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado). A tramitação dessa regulamentação até o fim do primeiro semestre, já se sabe, será um caos.
Noves fora, o lobby pesado dos empresários começou a granjear apoios no Congresso contra mais medidas de alta da arrecadação.
O estudo do economista Samuel Pessôa, do FGV-Ibre, antecipado pela jornalista Alexa Salomão, da Folha, botou ainda mais lenha na fogueira. O trabalho de Pessôa diz que a estratégia de Haddad de focar na tributação sobre grandes empresas para elevar a arrecadação pode surtir o esperado efeito no curto prazo e aumentar a receita, contribuindo com o esforço de ajustar o fiscal. Mas cria riscos no longo prazo, que inibem o crescimento econômico do país. Sem dúvida, esse será o debate mais duro de política econômica dos próximos anos.
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