Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Descrição de chapéu Coronavírus

A educação pós-coronavirus

Por que não 'invadir' o próximo ano letivo, com atividades complementares para todos?

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A Escola Municipal Olimpíadas 2016, uma das 48 escolas municipais presentes na Comunidade da Maré, na cidade do Rio de Janeiro, desenvolveu “anticorpos” para enfrentar o período de inatividade.

Localizada na “Faixa de Gaza”, uma área assim denominada por dividir o território entre facções rivais, sofre com constantes fechamentos ocasionados pelas incursões policiais ou pela disputa entre facções criminosas.

Para que os alunos não parassem de estudar, a equipe criou uma plataforma de aprendizagem acessada em casa ou no laboratório da escola, que está sendo utilizada nesse período de isolamento. A maior preocupação de Ana Flávia, sua diretora, é como acolher os estudantes e os professores quando a escola for reaberta, além de garantir a aprendizagem daqueles que não têm nenhum equipamento em casa.

Alice, 5, vê vídeo enviado pela escola com o pai Rodrigo Pinto em Santo André (SP)
Alice, 5, vê vídeo enviado pela escola com o pai Rodrigo Pinto em Santo André (SP) - Amanda Perobelli - 26.mar.20/Reuters

Em Nova York, Brian Zaeger, diretor da Lafayette Academy, tem diante de si o desafio de lidar com uma novidade: a escola só será reaberta no início do próximo ano letivo, em setembro, assim como todas as demais da cidade.

Zaeger comanda uma equipe dedicada que está transformando a escola, antes uma fonte de problemas. Os professores desenvolveram roteiros bem estruturados para as aulas remotas e agora vão aprofundar esse trabalho, redesenhando o currículo e a avaliação escolar. Sua principal preocupação é sobre com os efeitos psicológicos do isolamento e com a garantia de aprendizagem dos estudantes.

No Brasil e no mundo, escolas, estudantes e pais estão aprendendo como lidar com a educação em tempos de isolamento. Neste momento vivemos a fase de “redução de danos”, com o envio de tarefas com sequências estruturadas ao estudantes por plataformas de comunicação, materiais estruturados em papel enviados à casa dos estudantes, programação em canais de TV educativos e outras iniciativas voltadas à manutenção da conexão entre a escola e os estudantes e entre esses e o aprendizado.

A despeito da relevância dessas ações e especialmente da rapidez com que foram tomadas, é necessário planejar o futuro, especialmente para garantir uma travessia menos sofrida para os os mais pobres, a principal preocupação de diretores como Ana Flávia.

A população empobreceu e deve seguir empobrecendo, dados os efeitos da crise sanitária na economia. As ações da área educacional devem ser acompanhadas do desenho de uma nova rede de proteção social. É hora de garantir a segurança alimentar e de renda, identificar as diversas vulnerabilidades das famílias e gerenciar a crise integrando as áreas de educação, saúde e assistência social.

Ninguém deixa um período de isolamento social prolongado como entrou. Preparar a retomada das aulas exigirá a colaboração de educadores e profissionais de saúde mental, para que desenhem atividades de recepção aos educadores e estudantes. É a hora de curar as feridas, reestabelecer os vínculos de confiança e fortalecer a alma para seguir em frente.

Do lado pedagógico, as primeiras medidas são óbvias, como reorganizar o calendário escolar usando o contraturno ou os finais de semana, bem como realizar uma avaliação diagnóstica dos estudantes para que se meça como retornaram desse período e adotar medidas diferenciadas de acordo com suas necessidades.

Mas será que essas medidas serão capazes de garantir que todos os estudantes aprendam o que era esperado para o ano letivo pré-pandemia? Suspeito que não. O mundo parou e não sabemos quando voltará ao normal. Hoje sequer sabemos se as medidas de isolamento serão intermitentes, nos obrigando a intercalar períodos de isolamento com outros de algum convívio social.

Aqui o diretor Zaeger pode nos dar uma pista. Olhar para o currículo e o planejamento escolar e redefinir as expectativas de aprendizagem até o fim do ano letivo é uma boa alternativa, desde que seja “pra valer”.

Momentos extraordinários exigem medidas extraordinárias. As redes públicas podem escolher o caminho tradicional, com reposição de aulas aos fins de semana e no contraturno, correndo o risco de que isso seja apenas um simulacro. Mas podem se debruçar sobre os direitos de aprendizagem, envolver as escolas e seus educadores na construção das expectativas mínimas necessárias.

Por que não “invadir” o próximo ano letivo, com atividades complementares para todos? Por que não compreender, por exemplo, este ano letivo e o próximo como um só, mesmo fazendo o possível para que o currículo seja cumprido?

O mundo está em um gigantesco “homeschooling”. Certamente nossa visão sobre o que e como ensinar não será a mesma. É uma oportunidade única que para que a sociedade valorize o trabalho dos educadores e das escolas, perceba as desigualdades cada vez maiores entre nossos estudantes e reflita se a educação, da forma como está organizada hoje, é capaz de enfrentá-las.

Aos pais, que com uma preocupação genuína me perguntam aflitos se seus filhos vão “perder o ano”, uma dica: o mundo parou para todos.

No ensino médio reside nosso maior dilema. O Ministério da Educação precisa cancelar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), previsto para novembro deste ano. Não é justo com os estudantes da escola pública que se mantenha a data do exame.

O MEC deveria reunir as universidades federais que usam exame como forma de seleção para os cursos de graduação e sugerir que o calendário dos calouros se inicie no segundo semestre de 2021.

Com isso, o Enem poderia ser realizado em meados do primeiro semestre do ano que vem e as redes estaduais poderiam apoiar os estudantes para que tenham condições de competir nesse exame tão importante para o futuro de nossos jovens.

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