Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

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Alexandre Schneider

O dia em que Seymour Papert encontrou Paulo Freire

Matemático e cientista da computação foi um dos pioneiros no estudo da inteligência artificial e do uso da tecnologia na educação

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Ao fim da aula uma criança se aproxima da professora e pergunta: “o que eu aprendi hoje?”. A professora responde “Que pergunta engraçada! Por que essa pergunta?”; “porque quando chego em casa, meu pai me pergunta o que eu aprendi hoje. E eu nunca sei a resposta”.

Desta forma o matemático e cientista da computação Seymour Papert iniciou sua conversa com Paulo Freire, em 1995. Professor do MIT e um dos fundadores do MIT Media Lab, foi um dos pioneiros no estudo da inteligência artificial e do uso da tecnologia na educação.

Imagem em primeiro plano e pretro e brabnca mostra Paulo Freire sentado. Atrás dele, há uma janela aberta.
O educador Paulo Freire, em foto de 1979 - Arquivo/Agência O Globo

Seguindo adiante, defendeu que, de forma simplificada, poderíamos identificar três momentos do processo de aprendizagem.

O primeiro, iniciado no nascimento, seria o da experimentação, exploração do mundo, em que a criança aprende ao tocar as coisas, colocá-las na boca, perguntar, expandir seu conhecimento sobre a realidade à sua volta, estimulando sua curiosidade e desejo pela descoberta. A aprendizagem nesse estágio seria autodirigida.

O segundo, já na escola, quando “deixamos de aprender e aceitamos ser ensinados”, um processo que oprime a curiosidade, a criatividade e o desejo pela descoberta. Aprendemos a ler, escrever, contar e outras habilidades, em um espaço — a escola — que privilegia o ensino em detrimento da aprendizagem, rompendo com o estágio anterior.

A aqueles que “sobrevivessem” ao segundo estágio estaria reservado o terceiro, na idade adulta, em que a atividade profissional levaria o indivíduo de volta à aprendizagem autodirigida, de acordo com seus interesses.

A internet engatinhava e Papert dizia que a tecnologia criaria múltiplas novas possibilidades de aprendizagem, permitindo inclusive muito mais aprendizagem dirigida aos interesses dos alunos, substituindo a escola como a conhecíamos.

Após ouvi-lo atentamente, Paulo Freire, ao seu estilo, indica que a professora poderia ter respondido que “depositou envelopes de conhecimento” na criança. Concorda com a definição de Papert em relação ao segundo estágio, mas não crê que a escola deixará de existir. Reconhece que a “escola atual é ruim” mas que ela deve ser transformada.

A conversa, saborosa, ocorreu há 26 anos e permanece atual. Em um mundo que caminha a passos largos para a fusão de tecnologias desenvolvidas nas últimas décadas, em que milhões de postos de trabalho deixarão de existir — segundo o relatório “The Future of Jobs” (2020), do Fórum Econômico Mundial serão 97 milhões nos próximos 5 anos — e outros tantos que ainda não conhecemos serão criados será necessária uma transformação no processo de ensino e aprendizagem.

Nossos currículos “separam” as competências que imaginamos necessárias para navegar em um novo mundo que se descortina — pensamento crítico, científico e criativo, comunicação, projeto de vida, empatia, repertório cultural, argumentação, cooperação etc — dos direitos de aprendizagem.

Cabe à pedagogia integrá-los. Mas como fazê-lo se os incentivos existentes são os de tratar dos conteúdos expressos nos currículos para responder aos processos avaliativos e às exigências dos vestibulares?

Há iniciativas meritórias que tentam “driblar” esse dilema, como é o caso da inclusão de disciplinas de “projeto de vida”, “empreendedorismo”, bastante comuns em redes públicas. É um movimento interessante, mas não muda o cerne da questão levantada por Freire: precisamos mudar a escola.

Um empreendedor é um indivíduo resiliente, que aprende com os erros, que lê o mundo à sua volta e cria oportunidades a partir dessa leitura, enxerga adiante. Uma disciplina de empreendedorismo — por melhor que seja — não é suficiente em uma escola em que o erro é algoz, não professor, em que o estímulo à colaboração entre pares é restrito e a aprendizagem não é significativa.

O mesmo se dá em relação ao “projeto de vida”. Em primeiro lugar, em um mundo complexo e com mais longevidade talvez devamos pensar em “projeto de vidas”. Segundo, de que adianta uma disciplina ou uma mentoria de projeto de vida com um estudante que passou anos na escola que não o provocou a pensar e construir soluções próprias e criativas?

Paulo Freire assustou os antigos coronéis do Nordeste e os Generais da Ditadura com seu método de alfabetização de adultos nos anos 60, que lhes daria a liberdade de ampliar seus saberes e de votar livremente. Sua obra ainda nos assombra por sua atualidade e desnuda nossa incapacidade de erguer uma escola verdadeiramente emancipadora.

Podemos construir os melhores currículos, sistemas de avaliação e dotar as escolas de todos os recursos tecnológicos, mas sem um mergulho profundo na pedagogia, de nada adiantará. Não temos mais tempo para “melhorar a escola”, é preciso transformá-la.

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