Ana Paula Vescovi

Economista-chefe do Santander Brasil

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Destravando o crescimento da construção habitacional

Há razões para acreditar que novas mudanças estruturais serão necessárias para o financiamento imobiliário continuar crescendo

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A escassez de recursos constrange o crescimento do setor imobiliário, algo que surge com recorrência como preocupação dos agentes públicos e de mercado.

O financiamento habitacional no Brasil cresceu cinco vezes após o Plano Real. Saiu de cerca de 2% do PIB para algo próximo a 10% do PIB, no período recente. Além do crescimento sustentado após a estabilização monetária, concorreram para esse avanço reformas microeconômicas e o aumento da segurança jurídica para investidores no setor. A alienação fiduciária trouxe a garantia real do imóvel no financiamento; e o patrimônio de afetação segregou riscos entre os empreendimentos e incorporadores.

Fotografia feita de cima mostra o topo de prédios em construção e casas de telhados alaranjados em São Paulo. A imagem é ampla e compreende três fileiras de casas em ruas horizontais e uma fileira de casas na rua vertical, no lado esquerdo da imagem.
Prédios residenciais em obras na avenida Santo Amaro no bairro Vila Nova Conceição, em São Paulo - Danilo Verpa - 14.abr.2024/Folhapress

O espaço para crescimento é imenso. Nos EUA e no Reino Unido, o financiamento imobiliário responde por mais de 50% do PIB. No Chile, são 30%! Esse é um veículo fundamental de geração de valor, de cobertura do déficit habitacional e de diversificação de ativos reais provedores de rendimentos em complementação às rendas do mercado de trabalho e da aposentadoria.

Em grande medida, o financiamento imobiliário no Brasil vem de fontes direcionadas e remuneradas abaixo do mercado, como a poupança e o FGTS. Mas isso está mudando. Os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários), as LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), os FIIs (Fundos de Investimento Imobiliários) e as LIGs (Letras Imobiliárias Garantidas) vêm atraindo investidores para novos produtos, com remunerações referenciadas a mercado. No total do financiamento imobiliário, as fontes sub-remuneradas respondem por 60% (poupança, 34%, e FGTS, 26%), ao passo que as fontes de mercado vêm crescendo e já respondem por 40% do total, segundo a Abecip (Associação Brasileiras das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança).

Aqui, há um permanente desequilíbrio entre o uso de fontes sub-remuneradas e direcionadas (poupança e FGTS) e a oferta de fontes de financiamento. Quando as taxas de juros se encontram elevadas, aumenta a demanda sobre fontes mais baratas e faltam recursos. Quando as taxas estão baixas, aumenta a demanda sobre as fontes de mercado, dificultando o cumprimento dos direcionamentos obrigatórios para as instituições financeiras.

Com a redução do apetite dos investidores pela poupança e a atual aceleração do uso do FGTS, descasado da variação das disponibilidades, as fontes sub-remuneradas tendem a se tornar ainda mais escassas.

As saídas passam, primeiramente, pelo ajuste das contas públicas e por inflação controlada, que assegure juros de equilíbrio mais baixos na economia (dos atuais 5% para 3% ou menos), e pelo arejamento e evolução do mercado de capitais. O potencial de crescimento do crédito imobiliário e, por consequência, do setor habitacional depende do grau de ambição dessa agenda.

Com fontes mais escassas, o uso das fontes mais baratas (poupança e FGTS) deveria ser prioritariamente destinado aos mutuários, não aos construtores e incorporadores, que podem ir a mercado. Além disso, a ausência de taxas de pré-pagamento na regulação bancária, algo praticado nos demais países, retira a previsibilidade dos contratos para os agentes financeiros e a formação de taxas de juros, inibindo a oferta e subtraindo sua estabilidade.

Ademais, o governo elevou, recentemente, o prazo mínimo para vencimento das LCIs de 3 para 12 meses, quase paralisando as emissões. Reduzir esses prazos, mantendo o rigor em relação aos lastros, seria medida para promover a substituição saudável das fontes direcionadas.

Surge ainda a proposta de reduzir a taxa de compulsório da poupança para liberar cerca de R$ 40 bilhões por ano de liquidez ao sistema, o que, além de ser insuficiente para mover a agulha (o estoque é superior a R$ 1 trilhão), é uma sinalização ruim para a política monetária e para o controle da inflação.

Outras medidas possuem potencial de trazer ainda maior instabilidade sistêmica. A ideia de securitizar a carteira de empréstimos habitacionais com recursos da Emgea traz à memória os riscos da seleção adversa de mutuários e de ofuscar métricas de riscos, espalhando-os pelo sistema. Assim ocorreu com as securitizações nos EUA e com a crise dos empréstimos subprime, em 2007.

No Brasil, o custo médio de carregamento da carteira habitacional (cerca de 9%) é inferior às taxas de juros referenciadas pelo Tesouro (cerca de 12%). Ou seja, para que a operação fosse viável, a securitizadora teria que aceitar remuneração negativa para um risco relevante. Outra medida, a troca de indexador de TR para IPCA, teria que legar para a agência "securitizadora" pública e, em última instância, para o Tesouro o risco do descasamento entre os indexadores (em cerca de 4%). São componentes de fragilização do ajuste fiscal.

Por fim, sempre importante observar os espaços existentes para reduzir custos de transação e assimetrias informacionais (ampla disponibilização dos cadastros para os agentes), a partir de usos mais intensivos da tecnologia.

Mudar estruturalmente o financiamento habitacional, viabilizando novos saltos para o setor e para a economia, passa assim pela adaptação às mudanças que já estão ocorrendo no comportamento dos investidores, nas ferramentas de apoio a uma regulação prudente e justa e em novos produtos financeiros à disposição do investidor.

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