Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Que fim levou o 'Chupa!'?

Será que o mundo piorou tanto que hoje o 'Chupa!' parece até inocente, até romântico?

Foi o querido amigo Chico Mattoso quem me abriu os olhos (ou melhor, os ouvidos) para o discreto desaparecimento daquele indiscretíssimo fenômeno sócio-desportivo-cultural brasileiro, o “Chupa!”.

Até poucos anos atrás, não havia um Corinthians x Palmeiras, um Ponte Preta x Mirassol, um “com camisa” x “sem camisa” na praia que não levasse torcedores a bradar, altivos e altíssonos, pelas janelas anônimas da metrópole (ou pelos guarda-sóis anônimos da orla), “Chuuuuupa, porcada!”, “Chuuuuupa, macaca!”, “Chuuuuupa, zagueiro de sunga verde e pochete jeans!”. 

Adams Carvalho

Não era nem preciso haver jogo. Vez por outra, no meio da madrugada, um cidadão entediado, oprimido, quem sabe, pelo chefe cretino, amargurado pelo casamento falido, vivendo com uma conta corrente que encolhe num universo que se expande à revelia de seus méritos e desejos, enfim, o cidadão simplesmente abria a janela às 02:37 e abandonava a obscuridade lançando seu “Chuuuuupa, gambá!” na escuridão. Depois tomava uma água do filtro e ia dormir. Pois na última semana tivemos Santos x Palmeiras, Corinthians x São Paulo, Corinthians x Palmeiras e o número de “Chupas!” registrado no meu quarteirão foi o menor desde o início da série histórica (circa 1998): três. No Mandaqui, segundo relatos, houve um único “Chupa!”. Em Perdizes, dois. 

O Chico acha que é ressaca das panelas. Como se os protestos dos últimos anos tivessem exaurido as janelas. A pessoa se pôs a castigar as caçarolas na fenestra acreditando que iria acordar num país melhor e despertou no colo do PMDB: talvez agora tenha medo de gritar “Chupa!” e no dia seguinte descobrir que o técnico do seu time é o Michel Temer. Que o capitão da seleção é o Romero Jucá. Que a final do campeonato será interrompida pela juíza Cármen Lúcia porque dois supremos bandeirinhas têm compromissos inadiáveis. 

Pode ser, pode ser, mas eu suspeito que o “Chupa!” começou a minguar bem antes. O “Chupa!”, desconfio, foi chupado pelos bate-bocas nas redes sociais. Quem gritava na janela hoje se estapeia no Facebook, troca pontapés no Twitter. Pra que gastar a voz num quarteirão se você pode espalhar sua bílis pelo globo? E pra que investir todo o ódio em dois ou três times rivais se você pode diversificá-lo aplicando-o em política, cinema, orientações sexuais, hábitos de consumo, vestuário, clipes de música, fantasias de carnaval?

Há quem visse no “Chupa!” o exercício da homofobia, a semente da violência nos estádios. Discordo. As mulheres também gritavam chupa e todos os participantes, homens ou mulheres, corintianos ou palmeirenses, com ou sem camisa, no dia seguinte dividiam pacificamente o balcão da padaria, ignorando de que janela havia vindo qual grito, incapazes de deixar comentários raivosos nas persianas ou bloquear esta ou aquela esquadria de alumínio.

Ou será que o “Chupa!” era mesmo uma coisa horrível e que o mundo piorou tanto que hoje parece até inocente, até romântico, coisa de meninos no recreio que ainda não sabiam que muito em breve as diferenças iriam ser resolvidas na bala, para o horror ou, pior, o júbilo da nação?

As coisas hão de melhorar, amigos. O jogo só acaba quando termina e ainda gritaremos na janela, no fim desta noite suja: “Chuuupa, 2018!”.

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