Atila Iamarino

Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

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Atila Iamarino

A China e o fim da Covid zero

Com relaxamento das medidas de restrição, podemos esperar UTIs enchendo, fábricas fechando e mortes

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Para quem desconfia dos números oficiais da China, com pouco mais de 5.000 mortes por Covid em uma população de quase 1,4 bilhão de pessoas, os próximos meses mostrarão quão realistas são. Com o relaxamento da política de Covid zero, veremos o potencial da doença se manifestando no país.

É difícil avaliar o impacto de cada medida de isolamento que países que adotaram em 2020. Sabemos que as medidas mais efetivas para barrar a transmissão do vírus foram a proibição de pequenas aglomerações e o fechamento de comércio e escolas. Outras, como o fechamento de aeroportos e o cancelamento de shows e grandes eventos, não tiveram um benefício claro, por não funcionarem ou porque muitos já haviam mudado de comportamento mesmo sem decretos.

Trabalhadores chineses removem grades de área residencial que reabriu após lockdown instaurado pela política de Covid zero, em Pequim - Noel Celis 9.dez.2022/AFP

A estratégia mais efetiva, segundo avaliação de um painel de especialistas da Organização Mundial da Saúde, foi agir cedo e de forma contundente. Austrália, China, Nova Zelândia, Vietnã e outros países que coordenaram fechamento, testes e quarentenas a tempo de impedir o vírus conseguiram evitar o pior da pandemia. De quebra, ainda estão entre os países com melhor desempenho econômico no período.

Mas, um a um, esses países foram se reabrindo conforme as vacinas apareceram, a população se cansou e novas variantes furaram as barreiras. Só a China continuou controlando a situação praticamente sem casos até o segundo semestre de 2022.

Para alguém vendo de fora, os chineses pareciam viver em outro mundo, circulando como se não houvesse Covid, enquanto o resto do mundo via um massacre. Mas, por trás dessa vida "normal", houve um programa massivo de milhões de testes, monitoramento, controle de fronteiras e lockdowns que atingiram cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Medidas de controle que chocaram mais do que a prática de administrar morfina em vez de oxigênio para liberar leitos, que foi adotada na Suécia.

Chocam em parte porque, para muitos, estávamos "só" enfrentando a maior pandemia do século, enquanto a China enfrenta mais uma de muitas novas doenças com potencial letal para humanos.

Com um país tão populoso, com a maior criação de porcos e a segunda maior criação de aves do mundo e uma combinação única de animais selvagens com vírus respiratórios muito preocupantes, a China é um caldeirão de potenciais novos vírus humanos.

H3N8, H10N3, H7N4, H7N9… regularmente a China registra novos casos de vários tipos de influenza aviário patogênico em humanos, para falar de um grupo preocupante.

O motivo para não ouvirmos falar desses e de outros vírus é porque até aqui os casos foram todos contidos e essas doenças não se estabeleceram entre nós. A Covid é mais uma das várias novas doenças que o país tenta conter, daí sua ação tão contundente.

Mas tem um limite para o que as pessoas toleram. Novas variantes mais transmissíveis desafiaram tanto a capacidade de contenção chinesa e levaram ao confinamento de tantas pessoas que os protestos fizeram o país abrir mão das medidas de Covid zero.

Com o relaxamento, podemos esperar pelos próximos um compacto do que outros países passaram: UTIs enchendo, fábricas fechando e muitas mortes.

Apesar do volume de doses aplicadas, o grosso da vacinação no país foi feito com vacinas inativadas há muitos meses. E menos da metade daqueles com mais de 80 anos tomaram a terceira dose. Uma combinação que deixa muitos idosos vulneráveis.

A adoção de medidas de contenção é um processo coletivo, com muitas soluções e sem uma resposta clara, mas com grandes consequências. Os chineses já viram o que tinham a perder com a política de Covid zero, agora verão o que estavam evitando.

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