Regulação das patinetes em SP não engata e alto custo dificulta expansão

Empresa Lime anunciou saída do Brasil; Grow deixou zonas norte e leste da cidade

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São Paulo

O número de patinetes para empréstimo nas calçadas do largo da Batata e na ciclovia da Faria Lima diminuiu neste início de ano. Já em bairros como Santana e Tatuapé, elas sumiram de vez. Enquanto isso, a prefeitura adiou mais uma vez a aplicação de novas regras para o serviço.

As mudanças se devem a decisões das empresas. A Lime, um dos maiores nomes globais do setor, deixou de atuar no Brasil menos de seis meses depois de chegar. A saída, anunciada no dia 9, faz parte de um plano para se concentrar em mercados capazes de gerar lucro, segundo um comunicado. Sediada nos EUA, a marca recebeu mais de US$ 700 milhões em investimentos, mas ainda opera no vermelho. 

Também em janeiro, a Grow (dona dos apps Grin e Yellow) encerrou sua operação de patinetes em bairros das zonas norte e leste de São Paulo, porque o serviço “deixou de sustentável”, segundo nota da empresa. E anunciou que passa a atender parte do Capão Redondo, na zona sul, e os arredores da avenida Eliseu de Almeida, na zona oeste. 

Funcionários da Grow contratados para orientar usuários e ajudar a proteger as patinetes
Funcionários da Grow contratados para orientar usuários e ajudar a proteger as patinetes - Zanone Fraissat - 12.dez.19/Folhapress

O empréstimo de patinetes enfrenta uma série de obstáculos, especialmente financeiros. Embora o setor tenha recebido grandes investimentos, que permitiram dar descontos para conquistar público, começa a haver cobranças por bons resultados.

As empresas têm custo elevado para manter a frota, o que gera um valor alto para cada viagem. “No caso de apps como o Uber, o gasto de manter os veículos fica com os motoristas, o que facilita a expansão para outras áreas. Já para as patinetes, cabe às empresas pagar pelos reparos e comprar novos veículos”, afirma Daniel Guzzo, professor de economia circular do Insper.

O uso desgasta os veículos rapidamente: cada um dura poucos meses nas ruas. Isso exige reposição constante. “Eles são importados, e a tributação das patinetes elétricas no Brasil é de 107%. Você traz um e paga dois”, disse Felipe Daud, diretor de Relações Institucionais da Lime na América Latina, em novembro. A alta do dólar também tornou essa conta mais pesada. 

Para o usuário, alugar uma patinete e cruzar os cerca de 2 km da avenida Brigadeiro Faria Lima leva menos de dez minutos, mas custa R$ 10 na Grin, valor próximo ao de uma viagem de Uber, por exemplo.

O alto valor dificulta a adoção da patinete para pequenos trajetos diários, como ir do escritório até o metrô. Sem uso frequente, fica mais difícil tornar o negócio sustentável.

“Notamos que o uso acabava sendo muito mais para lazer”, conta Tomás Martins, CEO da Tembici, que testou um serviço de patinetes no Rio de Janeiro em 2019, mas desistiu da ideia. Pessoas que acompanharam a experiência disseram que o risco de acidentes também pesou na decisão. 

“A patinete ganha velocidade muito rápido. Como tem rodas pequenas e estrutura leve, qualquer ranhura no asfalto o desestabiliza”, aponta Daniel Guth, diretor da Aliança Bike, associação que reúne empresas do setor de bicicletas. 

Temendo acidentes, cidades como Nova York e Barcelona vetaram as patinetes. Outras, como Madri e Paris, colocaram regras duras, que limitam a quantidade de veículos e os locais de uso. 

Em São Paulo, a regulação sofreu idas e vindas ao longo de 2019. No início de novembro, foram publicadas novas regras, que criam um imposto de R$ 0,20 por viagem e determinam que as patinetes devem ser emprestadas e devolvidas em estações fixas e não mais em qualquer calçada.

Na época, a Lime questionou as mudanças. “A maioria das viagens é de até 2 km. Se o usuário precisar andar 400 metros para achar ou devolver uma patinete, pode haver um desestímulo”, disse Daud.

A prefeitura havia estipulado o prazo de 1º de janeiro para que as empresas se adequassem, mas só publicou as normas técnicas para as estações em 28 de dezembro, o que atrasou o processo. 

Procurada, a Secretaria de Mobilidade e Transportes disse que está finalizando os estudos para determinar quantas patinetes e estações poderão ser instalados. "Tão logo os estudos estejam concluídos, a prefeitura estará apta a fazer os credenciamentos definitivos", afirmou a pasta, em nota, sem citar prazos. 

Outra exigência municipal é de que as empresas levem patinetes a bairros mais afastados do centro, proposta que esbarra na questão da segurança. 

A empresária Fernanda Arraez procurou a Grin para levar o serviço para a cidade de São Caetano do Sul, vizinha da capital. Ela pensou que ter o serviço perto da sua academia ajudaria a atrair mais clientes, além de facilitar os deslocamentos na cidade.

“Disse que poderia ajudá-los a falar com a prefeitura e com outras empresas, como um shopping local, mas eles disseram que a proximidade da cidade com a favela de Heliópolis seria um problema, por causa da possível violência”, conta. As conversas não avançaram.

Em nota, a Grow disse não ter previsão para levar o serviço à região metropolitana e que “mantém diálogo permanente com as organizações sociais de Heliópolis”.

Com estratégia diferente e operação menor, a brasileira Scoo fez um acordo com os operadores das linhas 4 e 5 do Metrô paulistano para oferecer patinetes nas saídas das estações, e planeja levar o serviço a vários bairros atendidos por esses ramais nos próximos meses, incluindo o Capão Redondo. 

A Scoo cobra menos —R$ 4,40 pelos primeiros 15 minutos— e diz que outros negócios, como o fornecimento de patinetes para eventos corporativos e para entrega de comida, ajudam a fechar as contas. “Criamos modelos com bateria mais durável, que combinam peças nacionais e importadas. E temos de planos de fabricá-los inteiramente no Brasil”, disse Denis Lopardo, CEO da startup. 

Enquanto as patinetes buscam seu lugar, as bicicletas elétricas ganham espaço. A Tembici faz testes com esses modelos na rede do Bike Sampa desde o ano passado e teve resultados promissores. O motor ajuda a fazer viagens mais longas e atrai pessoas sem condicionamento físico. “Vemos espaço para que 50% da frota do Bike Sampa seja de bicicletas elétricas nos próximos anos”, diz Martins. 

Quem opera patinetes em SP

Grin
Com maior presença nas ruas, também pode ser usada pelo app Rappi

Yellow
Marca foi abandonada e absorvida pela Grin em novembro 

Scoo
Fez acordo com as linhas 4 e 5 do Metrô para oferecer patinetes nas estações

Lime
Anunciou sua saída, mas ainda funcionará em escala reduzida por algumas semanas

Uber
Pretende oferecer patinetes na capital e aguarda liberação da prefeitura

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