Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Feliz Dia das Crianças?

Os pequenos precisam aprender a pensar, e não o que pensar

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O Dia das Crianças fez lotar as lojas de brinquedos, fazendo a alegria das crianças —e dos donos dos estabelecimentos. Os pequenos saíram felizes das lojas carregando pacotes maiores do que elas. É uma cena emblemática que ilustra o que vem acontecendo com as crianças: elas carregam um fardo desproporcional, excessivo ao que conseguem suportar de maneira saudável.

A infância é a única chance de o humano estar em seu estado natural, é a última possibilidade para se descobrir o mundo com uma visão isenta de interferências. É o início do autoconhecimento, o momento mágico em que se inaugura a personalidade. É o lugar que será revisitado por toda a vida, porque todo homem guarda dentro de si a criança que foi.

Balanço vazio em playground
Playground vazio em Dortmund, na Alemanha - Ina Fassbender - 10.jul.2023/AFP

Crianças precisam crescer com calma, mas a infância parece estar com pressa. Sem paciência, a infância se encolheu e abreviou o tempo natural (e tão breve) que as crianças têm para usufruí-la. A linha divisória entre o universo infantil e o universo adulto está cada vez mais frágil. O resultado são crianças cada vez mais "adultizadas", se vestindo e se portando como adultos, que por sua vez se transformarão em adultos infantilizados, com capacidades emocionais incompletas.

Pressão, compromissos, deveres, futebol, natação, mandarim, dança, programação, pintura, Kumon, judô. Os miniexecutivos estão abarrotados de compromissos. Assim, pensam os pais, estarão instruídos e mais propensos ao sucesso. Contudo, a ideia de que quanto mais precocemente a criança se instrui com atividades direcionadas, mais ela terá êxito no futuro, é um contrassenso. Ensinar prematuramente algo que ela mesma poderia descobrir sozinha mina a curiosidade, ofusca a habilidade de ela compreender o objeto do ensinamento. Há uma diferença: as crianças precisam aprender a pensar, e não o que pensar.

Preencher a agenda dos pequenos é roubar o tempo para brincadeiras, que é o que eles mais precisam. O melhor que podemos fazer pelo seu sucesso é justamente o contrário: deixá-los viver o presente, viver o que "são", sem que sejam um "projeto" do adulto que serão. A infância termina no dia em que se começa a se preocupar com o futuro.

Neil Postman, crítico ferrenho à comunicação de massa com relação ao desenvolvimento da mente das crianças, escreveu em seu livro "O Desaparecimento da Infância" (1982) que a televisão rompe a barreira entre infância e fase adulta ao revelar às crianças o que elas não deveriam saber. "Assistir televisão é algo tão primitivo que, além de não requerer nenhuma habilidade, também não desenvolve nenhuma. Nenhuma criança ou adulto se torna melhor em assistir televisão através da prática, fazendo mais do mesmo. As habilidades requeridas são tão elementares que nunca ouvimos falar de um "déficit de capacidade de assistir televisão"." Postman era feliz e não sabia: quem dera que hoje essas interferências viessem apenas da televisão. Os desafios se multiplicaram.

No documentário "A Invenção da Infância", dirigido por Liliana Sulzbach, é dito: "Não basta ser criança para ter infância". A infância não é automaticamente garantida pela idade, depende de fatores mais amplos que envolvem as oportunidades que são proporcionadas a elas.

Quando o brinquedo se torna mais importante do que a brincadeira, é sinal de que algo não anda bem. Mais do que um quarto lotado de brinquedos, as crianças precisam de um tempo ocioso, de um espaço para querer, para buscar, inventar brincadeiras ou simplesmente observar, para poder imaginar e fantasiar.

A infância é o melhor presente que podemos dar às crianças.

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