Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Bernardo Guimarães

Queremos traficantes ou empresários?

Proibir significa entregar o mercado a quem trabalha usando armas e violência

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No mês passado, o STF interrompeu o julgamento que vai decidir se porte de maconha é crime. O julgamento deve ser retomado até novembro.

Por trás desse ponto, há uma questão mais ampla: qual deve ser a política do Estado sobre a produção e a venda de drogas?

Parte desse debate discute os limites da interferência do Estado na vida do cidadão. Faz parte das atribuições do Estado decidir se eu posso ingerir maconha, cachaça, veneno de rato, jujuba, bananada ou pipoca?

Outra parte da discussão foca nos efeitos de drogas na saúde física e mental das pessoas.

Trago aqui a atenção para um importante aspecto desse debate, às vezes esquecido, estudado por economistas.

A lei permite a venda de bebidas alcoólicas. Assim, a produção e distribuição desses produtos é feita por empresas e profissionais muito parecidos com os que produzem telefones, biscoitos ou serviços de transporte.

Por outro lado, a venda de maconha é proibida. Como consequência, os empresários do ramo utilizam métodos bem diferentes para transportar e vender seus produtos, fazer valer os acordos e resolver conflitos.

Helicóptero do Exército pousa em plantação de maconha no interior de Pernambuco - Juca Varella - 1.dez.99/Folhapress

Assim era o mercado de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos na época da Lei Seca. Questões entre os mercadores de álcool eram resolvidas com o uso de violência. O chefão era Al Capone.

Assim seria hoje se a venda de cerveja fosse ilegal. Como não é, as batalhas são travadas por advogados nos tribunais, os profissionais de marketing e logística utilizam propagandas e caminhões para vender os produtos ao consumidor, e o chefão é Jorge Paulo Lemann.

Uma proibição que funcionasse perfeitamente acabaria com a existência do produto. Essa opção não nos é dada. Ao escolhermos proibir, estamos escolhendo entregar esse mercado a quem trabalha à margem da lei e dar ao Estado a cara tarefa de combater os que produzem e vendem esses produtos.

É impossível sobreviver nesses mercados ilícitos sem usar e abusar da violência. Quem ingressa nessa carreira aprende a usar armas e a agir à margem da lei. Quem vai trabalhar vendendo cerveja desenvolve habilidades muito diferentes —e muito mais úteis à sociedade.

Estudos empíricos confirmam essa ligação entre mercados ilícitos e violência.

Em trabalho publicado em 2017, Ariaster Chimeli e Rodrigo Soares estudaram os efeitos da proibição do comércio de mogno na violência na Amazônia e, em especial, no Pará, principal área afetada pela proibição.

Até 2001, o Brasil era o principal exportador de mogno no mundo. Preocupações com a preservação do mogno acabaram por levar à proibição em 2001. Contudo, há fortes evidências de que o mogno continuou sendo exportado. O mercado passou a ser ilegal, mas continuou existindo.

Chimeli e Soares mostram que com a proibição, houve um aumento nas taxas de homicídios nas áreas onde o mogno era mais abundante. Os resultados do trabalho corroboram a ligação entre a ilegalidade do mercado e a violência.

Proibições desse tipo são eventos raros. Em trabalho publicado em 2015, Oeindrila Dube, Omar García-Ponce e Kevin Thom encontraram uma maneira engenhosa de estudar a ligação entre o mercado de drogas e a violência.

Quando eventos climáticos levam à queda no preço do milho, observa-se um aumento na produção de maconha e ópio nos municípios no México que mais cultivam milho. Os autores mostram que traficantes passam a operar mais nesses municípios e a taxa de homicídios sobe.

Caminhar para a legalização significaria retirar esse mercado de quem trabalha usando armas e violência e permitir à polícia e ao Estado focar seus recursos em outras atividades.

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