Empresa escala mães de crianças atípicas para vender produtos à base de Cannabis

Óleos com fins medicinais são feitos nos EUA e precisam de autorização da Anvisa para entrar no país

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Porto Alegre

Em 2015, Liane Pereira, 54, descobriu que as convulsões diárias da filha caçula, Caroline, eram causadas pela síndrome de Dravet, tipo raro de epilepsia, uma doença genética.

"Ela tinha mais de 60 crises por dia. Quando a gente menos esperava, estava dentro do hospital, com a Carol só dormindo. Ela não tinha vivência nenhuma, não brincava", lembra Liane, que mora em Canoas (RS).

O diagnóstico, feito quando a menina tinha cinco anos, levou à recomendação médica para o uso de canabidiol, substância extraída da Cannabis, que atua no sistema nervoso. Então, Liane começou uma saga em busca de acesso ao tratamento para a filha, navegando contra a falta de regulação, a dificuldade para autorizações e o alto custo do produto importado.

Liane Pereira e sua filha, Caroline, ao lado de pés de Cannabis na casa da família em Canoas (RS)
Liane Pereira e sua filha, Caroline, ao lado de pés de Cannabis na casa da família em Canoas (RS) - Carlos Macedo/Folhapress

"Foi um período muito difícil. A gente estava vendo que [o canabidiol] dava certo, mas sem conseguir mantê-lo, em função da situação econômica", afirma.

Esse enfrentamento a transformou em uma ativista pela Cannabis medicinal. Em 2019, conquistou uma das primeiras decisões na Justiça gaúcha que autorizou o plantio de maconha para produção própria do óleo. Agora, aos 13 anos, Carol frequenta a escola das 8h às 10h e consegue realizar atividades como copiar conteúdo do quadro.

Liane, que por anos equilibrou a rotina de mãe de uma criança atípica com a de professora, passou a ajudar outras pessoas a ter acesso à Cannabis medicinal. Ela é representante da Revivid, empresa que vende produtos no Brasil mediante autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Em 2022, uma resolução da agência regulamentou a importação de produtos à base da planta para uso pessoal, mediante solicitação. Outra resolução, de 2019, havia regulamentado os produtos autorizados a serem comercializados para fins medicinais.

A agência ressalta que esses produtos não são considerados medicamentos nem são regularizados pelo órgão. A importação só deve ocorrer de forma excepcional e para uso pessoal.

Com a brasileira Keila Santos entre os fundadores, a companhia, baseada no Colorado, nos Estados Unidos, passou a exportar seus produtos para o Brasil, onde tem uma equipe formada por 12 mulheres. Sete delas são mães de crianças que já usaram esses produtos, como Liane. Elas recebem comissão e ajuda de custo.

"Fomos convidando as mães [para serem representantes], porque elas conhecem os produtos", explica Daiane Zappe, gerente da marca.

"A gente dá oportunidade de essa mãe trabalhar em home office, conseguir estar com o filho e, ao mesmo tempo, ser produtiva."

Ela explica que as representantes recebem pedidos de interessados, auxiliam com os requisitos da Anvisa para a solicitação de importação e viabilizam a compra do produto fabricado nos EUA.

No Brasil, há algumas associações de pacientes com autorização para plantio e produção, como a Santa Cannabis, em Santa Catarina, e a Abrace, na Paraíba.

"Falta incentivo tanto do governo quanto de empresas para pesquisa, produção nacional, produção com certificação e selo de qualidade, como está sendo feito em outros países", avalia o ortopedista Jimmy Fardin Rocha.

Com atuação no interior da Bahia, o médico diz que viu o interesse pelo tema crescer no país desde que começou a receitar canabinoides, há cerca de cinco anos.

"Outros médicos ainda têm receio, preconceito, mas melhorou muito. Muitos colegas que desdenhavam hoje me procuram para entender melhor. Como há muitos canabinoides, estamos vendo que para algumas patologias alguns funcionam, outros, não. É importante sempre acompanhar o paciente."

A advogada Roberta Souza, 38, que trabalha com casos de acesso à saúde em São Paulo, diz que atende em média sete novos clientes por semana em busca do uso da Cannabis medicinal via SUS (Sistema Único de Saúde) ou pleiteando aos planos de saúde, além de quem procura autorização de cultivo.

Cliente da Revivid, ela usa canabidiol para depressão e ansiedade e encaminha outras pessoas para a marca.

Os preços dos produtos variam de R$ 180 a R$ 1.400, a depender da concentração em miligramas, o que os torna inacessíveis para muitas famílias em uso contínuo. No mercado de produção nacional, o valor não muda muito, considerando quanto rende um frasco, afirma a advogada.

"É essencial termos livre concorrência para que um maior número de pessoas possa ter acesso aos produtos à base de Cannabis."

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