Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

Entrar errado numa sala de cinema pode acabar sendo a maior diversão

Quando um casal decidiu sair de 'Licorice Pizza' para ver um blockbuster, lembrei da emoção da era da pipoca e do Mentex

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O leão da MGM já havia rugido na tela daquele Kinoplex de shopping já fazia pelo menos 15 minutos. O público ria em uníssono do ator principal, inclusive o casal à minha esquerda, que do nada começou a discutir. Foi quando recebi um cutucão.

"Moça, dá licença. Como é o nome desse filme que a gente tá vendo?" Estranhei a pergunta, mas caprichei na pronúncia. "Licorice Pizza." "Quê???" Na mesma hora, a mulher catou a bolsa e o próprio marido. "Amor, vambora, sala errada!"

Na ilustração de Marcelo Martinez, plateia de cinema assiste ao filme "Licorice Pizza", enquanto um dos espectadores pergunta "peraí, esse filme não tem explosão?"
Ilustração publicada neste domingo, 6 de março de 2022 - Marcelo Martinez

Por curiosidade, mais tarde chequei o cartaz ao lado. Era um blockbuster baseado num videogame. Não fosse pela distração do bilheteiro, talvez aqueles dois jamais pagassem para ver o longa-metragem de Paul Thomas Anderson. Porém, um detalhe. Antes de saírem aos tropeções pelo corredor escuro, eles estavam amando a experiência.

Ou seja: entrar errado numa sala de cinema pode acabar sendo a maior diversão.

Hoje em dia, filme estreia com tudo dominado. Assistimos a trailers que contam a história inteira, checamos se a nota está boa no IMDb e nos aboletamos na plateia com opinião formada. Se for franquia, já vamos fantasiados de Jedi. Isso quando vamos. Em caso de preguiça, basta se jogar no sofá e esperar pelo streaming.

Pensando agora, chego a sentir gostinho do Mentex comprado nas bonbonnières da minha infância. Harmonizava com o cheiro de mofo das poltronas e do leite de rosas que nos passavam pela catraca, após ler a sinopse de apenas uma linha no jornal.

Não havia preocupação nem com saúde, nem com hora, pois dava para fumar lá dentro e entrar com o filme no meio. "Acabando os créditos, a gente continua sentado e vê o início por último", dizia o primo maior, irresponsável por nós. Assim aprendíamos o valor e a beleza da narrativa não linear.

Classificação etária? Esquece. Certa vez, mamãe me levou para ver Carlos Alberto Riccelli de tanga, seduzindo jovens ribeirinhas em "Ele, O Boto". Deve ter confundido com as aventuras de um primo amazônico do golfinho Flipper. Sem maiores questionamentos, depois lanchamos um McFish.

No apagar das luzes, tudo se mostrava possível —inclusive o arrebatamento. Afinal, como definir o impacto de aprender a ler e conseguir acompanhar, da primeira fila, as legendas de "E. T." telefonando para casa? Ou ver que Doc Brown não morreu porque era verdade o bilhete escrito por Marty McFly de volta para o futuro. O cinema vindo abaixo, de um jeito que só flui quando se está junto a outros seres humanos, quase cotovelo com cotovelo. Entre a pipoca, a emoção e o Mentex.

Em tempo: achei "Licorice Pizza" uma fofura. Valeu a pena ter visto na tela grande.

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