Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

Eleições, previsões, o cometa Halley e tudo mais o que eu ainda não sei

Com o tempo, minhas angústias e preocupações lançadas ao Eu do Futuro foram mudando, mas ele jamais me respondeu

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Daqui onde me encontro, a vista nada alcança. Sobretudo porque não me refiro a distâncias de espaço, mas de tempo. Escrevo de um passado bem próximo, coisa de poucos dias atrás —mas já suficientemente pretérito para que você, que me lê neste instante, saiba tão mais do que eu.

O que teremos vivido nesse fatídico domingo? Como estaremos na subsequente segunda-feira? Felizes? Desolados? Um deadline de texto faz com que eu desconheça tudo aquilo que você já tem como certo. Portanto, agora (o meu "agora", não o seu) só me resta recorrer a essa anacrônica representação da ansiedade: o Eu do Futuro.

No cartum de Marcelo Martinez: dois homens idênticos e calvos se encaram. Um deles está com roupas futuristas e saiu de um portal. Ele diz: Desculpe meu atraso. Sou seu Eu do Futuro, trago a resposta da sua dúvida de 1992: Sim, você vai ficar careca!
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 31.out.2022. - Marcelo Martinez


Troco ideia com ele desde garota, com os mais diferentes fins. Planejar brincadeiras com a Barbie sereia prometida para o Natal ou encafifar quando aprenderia coisas de adulto, como dirigir carro ou digitar com todos os dedos. Um exercício de futurologia mirim, enquanto fazia contas para descobrir que idade teria no ano 2000 ou se poderia ainda estar viva para ver a próxima passagem do cometa Halley.

Com o tempo, minhas angústias e preocupações lançadas ao Eu do Futuro foram mudando. Será que aos 30 anos eu já estaria com a vida ganha? E aos 40, com muito cabelo branco? Que presidente botaria o Brasil um pouco mais nos eixos? Quando chegasse o momento, sempre acreditei que meu Eu do Futuro estaria de posse de todas as informações.

Fiz dele o destinatário de verdadeiras cartas existenciais, jamais enviadas, mas rascunhadas no bloco de notas do meu celular. Provavelmente ridículas para os outros, mas alentadoras para mim.


"Quando você ler isto aqui, Eu do Futuro, espero que meu pai já esteja bem de saúde/ que esse relacionamento já tenha terminado/ que eu já tenha recebido o aumento que me prometeram/ que meu filho já tenha nascido."

Como se eu segurasse minha própria mão, em planos distintos do espaço-tempo. O único problema do Eu do Futuro é que, apesar da escuta perfeita, ele jamais responde. Não colabora com os búzios, o tarô, os gráficos da Bovespa ou as previsões da Márcia Sensitiva. Quieto no seu canto, ele não dá spoilers.

Apenas aguarda alguém se aproximar... E pronto: escapa para ainda mais adiante em nossas vidas. Fazendo pique-pega nos além-dias.

Hoje (o meu "hoje", mas o seu também), espero que o porvir de todos nós possa se manter a salvo. Projetando as palavras do escritor Mia Couto: "O que nos dói não é o futuro que não conhecemos, mas o presente que não reconhecemos".

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