Férias, período heroico do ano. Quando os deuses descem do Olimpo para lembrar a todos do euro a R$ 6 e, a mim, que uma rachadura do tamanho de um fio de cabelo jamais me fará viajar em paz de novo.
Um destino trágico, mas à altura da falta de noção festiva dos que ousam cometer bobeirites de turista, diante de um irritável figurão de 2.000 anos.
Era outubro, época de árvores carregadas de marmelos no caminho entre a cidade turca mais próxima e as ruínas de Éfeso, segundo maior centro urbano da Antiguidade depois de Roma. Por ali ficava uma das sete maravilhas do mundo, o templo de Ártemis, do qual resta um pitoco num terreno baldio.
Debaixo de sol, em cima da bicicleta, tentando consultar o mapa e desviar de uma frota de ônibus apinhada de americanos, não era fácil equilibrar expectativa e realidade. A despeito do cenário deslumbrante, havia filas quilométricas para selfies com colunas coríntias e cliques imitando as estátuas.
De minha parte, nunca critiquei papagaiadas turísticas. Afinal, o que seria do patrimônio histórico da Unesco sem hordas do mundo inteiro fingindo escorar a torre de Pisa e beliscar a bunda da estátua de Davi?
Foi aí que me deparei com o edifício mais espetacular do sítio arqueológico. Do tipo que vemos em telas do Windows e quebra-cabeças de mil peças: a Biblioteca de Celso. Pelas explicações dadas em seis idiomas, senador grego do século 1º que ali repousava em seu sarcófago. Exatamente onde um casal de australianos dava um amasso e duas crianças chinesas faziam birra, respingando sorvete.
Mesmo tendo ouvido falar em faraós queimando o filme de visitantes nas pirâmides e vultos de czares praticando photobombing no museu Hermitage, imagine se um inocente pulinho diante da biblioteca chatearia o grande magistrado.
Ângulo definido, câmera posicionada, senti um empurrão invisível. E assim, eu, que trupiquei em templos budistas e catacumbas neogóticas sem qualquer dano irreversível, descobri ter um cóccix de Aquiles ao me estatelar no chão. O derrière brasileiríssimo amortecendo a queda, numa gentileza de Zeus.
Indo embora já com a dor e a fratura que me acompanhariam em todas as viagens no futuro, percebi gringos se arrastando descadeirados até seus ônibus. E para coroar a vingança do pulinho, a foto —apesar de tudo, épica no visor da câmera— desapareceu do rolo. Como se Celso tivesse rido por último, em sua trollagem milenar.
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