Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

E se você ficasse preso dentro do clássico que catimbou na escola?

No Rio de Janeiro, qualquer cidadão pode transformar ocupação urbana em vivência literária

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"Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta". Ou, numa versão carioca mais próxima, entreouvida na esquina: "Vaza, arrombado! Entorna logo esse litrão. Coragem e... Fiado, só amanhã".

Morar no Rio tem disso. A caminho de uma demanda trivial, qualquer cidadão pode transformar ocupação urbana em vivência literária. Sem a menor pompa, inclusive. Tipo sair para comprar um Engov e descobrir que a farmácia fica na rua onde Bentinho vivia a desconfiar dos olhos de ressaca de Capitu.

Na ilustração de Marcelo Martinez: dois meninos idênticos se esbarram na porta de uma escola. Entretanto, um deles está no século 19 e o outro nos dias de hoje.
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 3 de abril de 2023 - Marcelo Martinez

De certo modo, eu —que cursei jornalismo no casarão do antigo hospício de "O Cemitério dos Vivos", do Lima Barreto— sempre atentei para geolocalizações narrativas. Logo, não foi desvio de rota me tornar vizinha de "O Ateneu".

Falta plaquinha dizendo que ali o autor Raul Pompeia estudou e se inspirou. Restam apenas o esquecimento e o velho colégio, ironicamente cenário de uma obra tida como fundamental a alunos de vários anos.

Passo sempre em frente: dele e do boteco na outra calçada. Tomando todas, falando sobre mulher e futebol, frequentadores seguem alheios à rigidez do fictício diretor Aristarco, que comanda a instituição de ensino do lugar mais longínquo possível: as páginas que provavelmente nenhum ali leu.

Se você chegou até aqui, aliás, saiba que agradeço humildemente. Tenho sorte. Afinal, sejamos sinceros: quase ninguém mais lê. Nem os títulos exigidos pela escola. A maioria enrola e no finzinho das férias sai pulando capítulos. Quem não dá esse mole, bem, dá "Ctrl-C" e "Ctrl-V" nos resumos da internet.

Um dia, comprando pilha no boteco do Ateneu, tive um insight catastrófico enquanto esperava pelo troco. "E se do nada ficássemos presos no tempo e no espaço, dentro de um clássico que não lemos na época da escola?". Um misto de "História Sem Fim" com "De Volta para o Futuro", sendo que o passado é a sétima série. Ignorantes da trama, não saberíamos o que fazer com o personagem principal —no caso, a gente mesmo.

Como driblar vocábulos do século 19? Metáforas são fatais? Catacreses são contagiosas? Cadê o camafeu de "A Moreninha"? E se o final não for feliz? Pior: se o início for triste. Todo mundo já morto, à la Brás Cubas. A voz das professoras de literatura ecoando. "Eu avisei, ei, ei, ei...".

Juro, não bebi nada no boteco. Fui pela pilha. Talvez meu delírio se deva ao fato de ter sido CDF e zerado os livros obrigatórios. Será que a nerdice me fez mal à cabeça? Na dúvida, fica a lição: evite perrengues. Leia os clássicos. Vai que.

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