Instalado dentro do Palácio do Planalto, um coronel da reserva se queixava das pedras no caminho para um golpe de Estado. Faltavam duas semanas para o fim do governo Jair Bolsonaro quando Elcio Franco, assessor da Casa Civil, enviou o lamento a um amigo do presidente, pelo WhatsApp. "Essa enrolação vai continuar acontecendo", disse.
Do outro lado da conversa estava o ex-major Ailton Barros. Ele falava em pressionar a cúpula do Exército, mobilizar 1.500 militares e convencer o Comando de Operações Especiais a prender o ministro Alexandre de Moraes. "Se preciso for, vai ser fora das quatro linhas", ameaçou.
A máquina bolsonarista quis pintar o golpismo pós-eleitoral como um sonho de militantes birutas ou um plano de soldados rasos do entorno do ex-presidente. Mas não é preciso ir longe para identificar os nomes e os gabinetes de majores, coronéis, generais e delegados que discutiam a ideia perto do centro do poder.
A investigação que descobriu o esquema de fraude do cartão de vacinação do ex-presidente cortou esse caminho. Além da conversa com Elcio Franco, a PF também encontrou mensagens de áudio enviadas por Ailton Barros ao coronel Mauro Cid, auxiliar direto de Bolsonaro.
Nas gravações disparadas para o gabinete presidencial e reveladas pela CNN Brasil, o ex-major falava na prisão de Moraes num domingo ("como ele faz com todo mundo") e num decreto para uma operação militar de Garantia da Lei e da Ordem.
Nunca houve dúvida de que o golpismo vicejava no lago em que nadavam os peixes grandes do bolsonarismo. O ministro da Justiça guardava em casa os preparativos de um estado de exceção, e generais do governo trabalhavam para melar as eleições.
No inquérito sobre o cartão de vacinação do ex-presidente, a PF afirmou ter identificado "tratativas para execução de um golpe de Estado" por "pessoas ainda não identificadas". Tudo indica que os agentes continuarão puxando esse fio. O celular de Bolsonaro, apreendido na investigação, deve ajudar.
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