Bruno Gualano

É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'

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Bruno Gualano
Descrição de chapéu Corpo diabetes

As novas drogas antiobesidade trazem felicidade?

Remédios têm potencial de melhorar o bem-estar de pessoas com obesidade; vistos como trapaça, podem causar o oposto

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Não acho exagerado quem diz que as novas drogas antiobesidade (Wegovy, Ozempic, Mounjaro etc) estão entre as maiores descobertas da ciência em tempos recentes. Esses medicamentos prometem aos mais de 1 bilhão de aflitos pelo peso em excesso um corte médio de 25% da massa corpórea, que se exprime numa notória melhora da saúde cardiovascular, metabólica, mental e articular. E à medida que os estudos avançam, benefícios ainda mais contundentes poderão ser documentados, como o aumento da expectativa de vida livre de doenças crônicas.

Mas a revolução das novas drogas antiobesidade não é meramente médica. Seus possíveis impactos sociais e afetivos são explorados num recente artigo da Nature, de autoria das antropólogas americanas Alexandra Brewis e Sarah Trainer.

Comparada à pessoa magra, aquela com obesidade recebe pior acolhimento de saúde, enfrenta maior dificuldade de encontrar um par romântico e tem menor acesso a oportunidades de estudo e evolução de carreira. A fuga do estigma do corpo gordo é o fator provável que estimula a crescente procura por essas drogas emergentes.

As cientistas argumentam que "o entusiasmo generalizado pelos medicamentos para perda de peso não é apenas uma solução para um problema médico —é também uma resposta ao medo e à ansiedade profundamente enraizados e amplamente disseminados em relação ao peso corporal". Numa sociedade gordofóbica, as drogas recentes ofereceriam uma inédita porta de saída para quem, cercado pelas armadilhas do sedentarismo e dos ultraprocessados, sofre para alcançar o corpo ideal.

A imagem mostra uma pessoa de pé em uma balança de banheiro, vista de cima. A pessoa está usando uma camiseta verde e calça jeans. O chão é de madeira.
É preciso que profissionais da saúde antecipem aos seus pacientes os possíveis impactos emocionais, positivos e negativos, que poderão ser vivenciados ao longo do tratamento - New Africa/Adobe Stock

Porém, no jogo sociológico do emagrecimento, os meios também importam. Pessoas que perdem peso sem o sacrifício da dieta e do exercício costumam ser tomadas como desonestas —uma pecha infeliz capaz de desencadear uma cascata de sentimentos negativos.

Estudos com pessoas submetidas à cirurgia bariátrica referendam essa conclusão. Assim como as novas drogas, o procedimento cirúrgico promove uma redução drástica de peso e uma melhora substancial da saúde geral. Muitos pacientes também reportam aumento de autoestima e confiança. Entretanto, em entrevistas concedidas a Brewis e Trainer, 90% dos operados dizem ter sido sentenciados pelo tribunal das redes como trapaceiros, uma vez que teriam desistido da batalha da mudança de comportamentos e apelado à cirurgia.

Um estudo brasileiro liderado pela cientista Fernanda Scagliusi (USP) chegou a achados similares. Mulheres que realizaram a cirurgia bariátrica afirmam ter sido julgadas por desconhecidos, amigos e familiares por terem buscado o "caminho mais fácil". Alegam, além disso, que os julgamentos lhes despertaram sentimentos variados, tais como raiva, frustração e resignação —uma carga emocional com a qual é difícil de lidar, particularmente num momento de transformações corporais e comportamentais tão marcantes.

A fim de preservar a saúde emocional dos usuários, Brewis e Trainer recomendam que a indústria farmacêutica evite divulgar suas drogas como soluções fáceis para a obesidade. O fato de que uma parcela considerável dos indivíduos apresenta efeitos adversos (náusea, vômito, desconforto abdominal etc) ou resultados menos efetivos do que o esperado implica que o tratamento está longe de entregar de bandeja a sonhada perda de peso. É preciso que profissionais da saúde antecipem aos seus pacientes os possíveis impactos emocionais —positivos e negativos— que poderão ser vivenciados ao longo do tratamento, prevenindo-os, sobretudo, de julgamentos perversos.

Espera-se também que as ciências sociais abracem de vez o assunto, caracterizando experiências, percepções, afetos, comportamentos e atitudes dos usuários ante o tratamento. As muitas pessoas sem excesso de peso que têm recorrido a esses medicamentos precisam ser ouvidas. Quais são suas motivações? Estão satisfeitas com o resultado alcançado? São julgadas moralmente por gente conhecida ou profissionais da saúde por fazerem uso de uma droga destinada a uma população distinta? Com Brewis e Scagliusi, temos um estudo em andamento que pretende jogar luz nessas questões.

Quando disponíveis em larga escala e a valores acessíveis —o que não é o caso atualmente—, as novas drogas antiobesidade deverão produzir uma transformação no combate à obesidade, suas comodidades e seu estigma, acrescendo tempo e qualidade de vida à nossa espécie. Desse modo, farão todos mais felizes. Certo? Bem, tenho cá minhas dúvidas. Como lembram Brewis e Trainer, as pessoas podem perder peso físico, mas ainda carregar o pesado estigma da preguiça e da indisciplina. Somos bichos excelentes em julgar um ao outro. Algo para o que não temos um remédio.

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