Ozempic tem potencial para tratar alcoolismo, doença cardíaca e apneia do sono, sugerem pesquisadores

Cientistas exploram se remédios para emagrecer também podem tratar outras condições de saúde

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Dani Blum
The New York Times

Ozempic e outros medicamentos semelhantes têm se mostrado eficazes na regulação do açúcar no sangue e na perda de peso. Agora, os cientistas estão explorando se eles podem ser igualmente transformadores no tratamento de uma ampla gama de outras condições, desde dependência e doença hepática até uma causa comum de infertilidade.

"É como uma bola de neve que se transformou em uma avalanche", afirma Lindsay Allen, economista da saúde na Northwestern Medicine. À medida que os medicamentos ganham impulso, diz, "eles estão deixando para trás uma paisagem completamente remodelada".

Homem prepara a injeção de Ozempic - Myskin/Adobe Stock

Grande parte da pesquisa sobre outros usos de semaglutida, o composto presente no Ozempic e no Wegovy, e tirzepatida, a substância presente no Mounjaro e no Zepbound, está apenas em estágios iniciais. Algumas das maiores questões que os cientistas estão buscando responder: Os benefícios desses medicamentos se resumem apenas à perda de peso? Ou eles têm outros efeitos, como redução da inflamação no corpo ou redução dos pensamentos compulsivos do cérebro, que tornariam possível tratar muito mais doenças?

Provavelmente não saberemos tão cedo. "Ainda estamos aprendendo como esses medicamentos funcionam", diz Daniel Drucker, um dos primeiros pesquisadores a estudar esses medicamentos. (Drucker é consultor da Novo Nordisk, a empresa que fabrica o Ozempic e o Wegovy.)

Pessoas com as condições abaixo, muitas das quais têm poucas opções de tratamento, podem se beneficiar a longo prazo se esses ensaios forem bem-sucedidos. E para os fabricantes de medicamentos para perda de peso, cada novo uso pode impulsionar ainda mais os medicamentos para o status de sucesso de bilheteria.

Algumas dessas aplicações —incluindo doenças cardíacas e apneia do sono, que afetam dezenas de milhões de pessoas— tornaram-se alvos dessas empresas e podem ser especialmente lucrativas. Esses medicamentos são uma "mina de ouro", afirma Allen. "Não há limite superior para onde o mercado está indo".

À medida que surgem evidências desses estudos, os pesquisadores terão uma ideia mais clara de como exatamente esses medicamentos funcionam no corpo. Se eles puderem tratar ainda mais doenças, eles podem revolucionar a medicina mais uma vez.

TRANSTORNO DO USO DE ÁLCOOL

O problema: O transtorno do uso de álcool, também conhecido como alcoolismo, é comum —quase 30 milhões de pessoas nos Estados Unidos tinham a condição em 2022. Mas é raro que as pessoas sejam diagnosticadas e muitas vezes extremamente difícil para elas encontrar tratamento. Existem medicamentos eficazes no mercado, mas algumas pessoas que poderiam se beneficiar deles nem sequer sabem que eles existem.

O potencial: Anedoticamente, algumas pessoas que tomam medicamentos como o Ozempic dizem que os medicamentos as fazem querer beber menos e, em alguns casos, as afastam completamente do álcool. Os pesquisadores estão tentando desvendar o motivo. Como as pessoas se sentem saciadas quando tomam esses medicamentos, elas podem perder o interesse não apenas em alimentos, mas também em álcool. Também é possível que, por esses medicamentos visarem partes do cérebro que regulam o apetite, eles também afetem comportamentos compulsivos que possam envolver essas regiões cerebrais, como o uso de álcool ou estimulantes, jogos de azar, tabagismo ou até mesmo roer as unhas.

As evidências iniciais: Um pequeno estudo acompanhou seis pessoas com transtorno do uso de álcool que estavam tomando semaglutida para perda de peso. Todos os seis beberam significativamente menos depois de terem tomado o medicamento por um a nove meses. Em uma pesquisa online com 153 adultos com obesidade, a maioria branca e de mulheres, aqueles que tomaram semaglutida ou tirzepatida relataram beber significativamente menos do que os colegas que não estavam tomando os medicamentos.

Embora os dados sejam limitados, alguns pacientes com transtorno do uso de álcool já começaram a perguntar aos médicos sobre esses medicamentos. Pesquisadores que estudam como esses medicamentos afetam o consumo de álcool recentemente responderam a essa demanda com um artigo na Nature Medicine, instando os médicos a não usar os medicamentos para o transtorno do uso de álcool sem mais pesquisas.

SÍNDROME DO OVÁRIO POLICÍSTICO

O problema: Até 5 milhões de pessoas nos Estados Unidos têm síndrome do ovário policístico, ou SOP. A condição é uma das principais causas de infertilidade e causa períodos irregulares. Existem tratamentos disponíveis —mudanças na dieta e exercícios, pílulas anticoncepcionais e o medicamento metformina, para diabetes— mas eles não funcionam para todos.

O potencial: Os pesquisadores acreditam que níveis elevados de testosterona contribuem para a SOP. Quando pessoas com a condição perdem peso, seus níveis de testosterona geralmente diminuem. Medicamentos como o Ozempic podem ajudar a regular os hormônios em pessoas com SOP, diz Melanie Cree, que está liderando um dos primeiros estudos para investigar se a semaglutida pode resolver os sintomas da SOP.

As evidências iniciais: Um pequeno estudo com 27 pessoas com obesidade e SOP que tomaram uma baixa dose de semaglutida descobriu que, após seis meses, a maioria dos participantes havia perdido peso e tinha períodos mais regulares, sugerindo que sua condição estava mais controlada. Cree concluiu um estudo com semaglutida em adolescentes com SOP que mostrou resultados semelhantes, e ela está recrutando para outro estudo focado na regularidade dos períodos.

DOENÇA HEPÁTICA

A questão: Até 70% das pessoas com diabetes tipo 2 e de 50% a 90% das pessoas com obesidade têm doença hepática gordurosa não alcoólica, ou DHGNA, que ocorre quando há acúmulo de gordura em excesso no fígado. A condição pode causar danos hepáticos tão graves que alguns pacientes acabam precisando de transplantes de fígado.

O potencial: Os médicos geralmente recomendam que pacientes obesos ou com sobrepeso com DHGNA percam peso para reduzir a quantidade de gordura e inflamação no fígado. Como medicamentos como o Ozempic levam as pessoas a perder peso, eles também podem diminuir a quantidade de gordura armazenada no fígado. O diabetes tipo 2 também aumenta o risco de doença hepática. Ao tratá-lo, medicamentos como o Ozempic podem reduzir o risco ou a gravidade da condição.

Os cientistas têm outras duas teorias sobre como os medicamentos podem ajudar: melhorando a resistência à insulina comum em pessoas com DHGNA e reduzindo a inflamação que pode danificar o fígado.

As evidências iniciais: Um estudo financiado pela Novo Nordisk descobriu que, em comparação com o placebo, a semaglutida não melhorou significativamente a cicatrização do fígado ou a resolução da esteato-hepatite não alcoólica, ou EHNA, uma forma grave de doença hepática gordurosa não alcoólica. O estudo incluiu pessoas com cirrose, ou fígados cicatrizados e permanentemente danificados. Um ensaio clínico maior, financiado pela farmacêutica, descobriu que os pacientes em estágios iniciais que tomavam semaglutida tinham mais chances do que aqueles que tomavam placebo de ver sua EHNA resolvida, mas não significativamente mais chances de ver sua cicatrização melhorar.

A Novo Nordisk ainda está realizando um ensaio clínico maior sobre a semaglutida e a EHNA, e a FDA (agência reguladora de medicamentos e alimentos nos EUA) designou o medicamento como "terapia inovadora" para a doença, o que acelerará a revisão regulatória. Pesquisadores financiados pela Eli Lilly também estão investigando se o tirzepatide pode tratar a EHNA.

PROBLEMAS CARDIOVASCULARES

A questão: A doença cardíaca matou quase 700.000 pessoas nos Estados Unidos em 2022, tornando-se a principal causa de morte no país. Especialistas dizem que há uma necessidade urgente de novas terapias que possam reduzir o risco de ataques cardíacos e derrames e melhorar sintomas como fadiga e falta de ar, que podem dificultar o dia a dia das pessoas com doenças cardíacas.

O potencial: A obesidade aumenta significativamente o risco de doenças cardiovasculares, por isso alguns médicos acham que perder peso pode tratar e prevenir problemas cardíacos. Os medicamentos também podem ajudar a reduzir a inflamação —que pode levar à formação de placas no coração e desencadear coágulos sanguíneos.

As evidências iniciais: Em novembro, um grande estudo mostrou que a semaglutida reduziu em 20% o risco de eventos como ataques cardíacos e derrames em pessoas obesas e com sobrepeso com doenças cardíacas. Outro estudo com pessoas obesas e um certo tipo de insuficiência cardíaca descobriu que a semaglutida pode melhorar os sintomas e facilitar o exercício físico.

A Eli Lilly está conduzindo seu próprio estudo sobre a tirzepatida e insuficiência cardíaca. Mais estudos estão em andamento: pesquisadores estão examinando se a semaglutida pode reduzir placas no coração, melhorar sintomas de insuficiência cardíaca ou reduzir danos causados por derrames.

APNEIA DO SONO

A questão: Estima-se que 30 milhões de pessoas nos Estados Unidos sofram de apneia obstrutiva do sono, na qual a respiração para e recomeça repetidamente durante o sono. Tratamentos como o uso de máquinas de pressão positiva contínua nas vias aéreas, ou CPAP, podem ajudar, embora os pacientes frequentemente os considerem desconfortáveis. Muitos com apneia do sono não são diagnosticados. Se não for tratada adequadamente, a condição pode ter um impacto significativo na saúde das pessoas e aumentar o risco de complicações como doenças cardíacas e diabetes tipo 2.

O potencial: A apneia do sono é mais comum entre pessoas com obesidade. Isso ocorre devido a um conjunto complexo de fatores, incluindo que depósitos de gordura no pescoço podem obstruir as vias aéreas quando uma pessoa está deitada. Pesquisas mostraram que a perda de peso, incluindo por meio de cirurgia bariátrica, pode ajudar.

As evidências iniciais: Até o momento, há poucos dados, embora um porta-voz da Eli Lilly tenha dito que a empresa espera concluir um estudo sobre a tirzepatida e a apneia do sono no outono de 2024. A Novo Nordisk atualmente não estuda se a semaglutida pode tratar a apneia do sono.

DOENÇA RENAL

A questão: Aproximadamente 1 em cada 3 adultos com diabetes tipo 2 também tem doença renal crônica, que ocorre quando os rins estão danificados e não conseguem funcionar adequadamente. Pacientes com a doença podem eventualmente precisar de diálise ou de um transplante de rim, e se não for tratada, a condição pode ser fatal.

O potencial: Os danos renais ocorrem lentamente ao longo do tempo e são irreversíveis em quase todos os casos, diz George Bakris, que participou de um estudo com semaglutida em pessoas com diabetes tipo 2 e doença renal crônica, apoiado pela Novo Nordisk. Medicamentos como o Ozempic podem ser capazes de prevenir danos adicionais, em parte porque a perda de peso reduz o risco de pressão alta e diabetes tipo 2, que são fatores de risco para a doença. Não está totalmente claro como esses medicamentos podem melhorar a condição de outras maneiras, mas um fator potencial é que eles podem reduzir a inflamação, que pode ser prejudicialmente alta em pessoas com essa condição.

As evidências iniciais: A Novo Nordisk anunciou em outubro que interrompeu um estudo com semaglutida em pessoas com diabetes tipo 2 e doença renal crônica após uma análise inicial deixar claro que o medicamento era eficaz, embora a empresa ainda não tenha divulgado os dados. A empresa está financiando outro estudo para examinar como a semaglutida funciona nos rins. A Eli Lilly está financiando um estudo com tirzepatida em pessoas com obesidade e doença renal crônica.

Esses e outros estudos fazem parte do que Howard Forman, professor da Escola de Medicina de Yale especializado em política de saúde, chama de "uma explosão de oportunidades".

Se essas oportunidades podem se tornar novos tratamentos ainda está por ser visto.

"Estamos no início muito, muito inicial dessa indústria como um todo", diz Forman, "e nada me surpreenderá".

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