Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Parto racional

Cabe à sociedade questionar se deve ou não subsidiar a escolha pela cesariana

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Em discussão na Assembleia Legislativa de São Paulo está o projeto de lei que prevê a escolha pelo parto cirúrgico no SUS (Sistema Único de Saúde) a partir da 39ª semana de gestação. 

Resolução do Conselho Federal de Medicina de 2016 já permite a opção eletiva de cesariana para gestantes em mesmo período gestacional. Assim, a questão central que se coloca é se a sociedade, por meio do SUS, deve ou não arcar com os custos de tal procedimento.

No Brasil, as taxas de cesariana são bastante elevadas quando colocadas em perspectiva internacional. O país figura em segundo lugar, 55% em 2016, só atrás da República Dominicana, 59%.

Ainda que os números saltem aos olhos, o crescimento das taxas é fenômeno global: entre 2000 e 2015 a taxa mundial passou de 12,1% para 21,1%.

 

Opositores ao projeto argumentam que permitir o procedimento via SUS elevaria mais as taxas e que o procedimento é prejudicial a mães e bebês, colocando o país ainda mais distante da meta de 10% a 15%.

 

A taxa ideal é recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) feita em 1985 a partir do limitado conjunto de dados da época. Mais recentemente, em 2014, novo parecer da OMS passou a reconhecer a dificuldade de estipular uma taxa ótima, sugerindo, ao contrário, a necessidade de um esforço para oferecer a cesariana para mulheres que precisam.

Assim, é importante primeiro pontuar a falta de consenso científico a respeito da taxa recomendada.

Na balança, pesa o fato de que a taxa das cesarianas nos países é resultado de uma gama de fatores, entre eles condições socioeconômicas da gestante, organizações e práticas nos diferentes sistemas de saúde e incentivos financeiros na realização do procedimento. 

Conforme explicitado no parecer de 2014, grande parte da associação negativa entre a realização da cesariana e desfechos de saúde da mãe e das crianças desparece quando condições socioeconômicas são consideradas.

Intuitivamente, se cesarianas são realizadas em situações de maior risco, uma associação negativa é naturalmente esperada, sem que ela implique relação de causa e efeito.

Além disso, no Brasil, a organização da prática e os incentivos financeiros têm relevância para a alta incidência de cesarianas, especialmente no mercado privado, em que a prática é descentralizada, impedindo ganhos de escala.

A taxa de 55% é puxada pela realização do procedimento em hospitais privados, onde a incidência é de 83% em comparação à taxa de 41% em hospitais públicos.

Por fim, a recomendação ao parto normal está longe de ser regra absoluta aplicada a toda gestação, mesmo para as de baixo risco.

Ao contrário, artigo de David Card, Alessandra Feniza e David Silver, usando dados da Califórnia, em estratégia convincente para medir relação de causa e efeito, encontra que o procedimento cirúrgico nesses casos exibe benefícios muito maiores que custos, refletidos em melhores indicadores de saúde ao nascimento e menores taxas de internação e mortalidade, ainda que o bebê tenha maior chance de desenvolver problemas respiratórios.

Como em todo procedimento cirúrgico, é necessário ponderar os riscos e os retornos da intervenção médica. No caso da proposta em questão, estamos discutindo a cirurgia eletiva em rede pública na 39ª semana, idade gestacional na qual os riscos associados à prematuridade são menores, e os associados ao prolongamento demasiado do parto, maiores. 

Se os benefícios são maiores que os custos nesse caso, cabe apenas questionar se a sociedade deve subsidiar a escolha das gestantes para que os ganhos sejam também distribuídos à mulher de baixa renda, que, no momento, tem a opção pela cesariana eletiva a partir da 39ª semana negada pelo SUS.

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