Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Cecilia Machado

A economia das superestrelas

Remuneração dos astros se relaciona com as mudanças no mundo do entretenimento

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Pelé, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, cabe dentro do que Sherwin Rosen —importante economista da Universidade de Chicago que integrou a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos— classificou como uma superestrela.

Nas palavras de Sherwin, "o fenômeno das superestrelas, aquele no qual um pequeno grupo de pessoas ganha uma enormidade de dinheiro e domina o campo no qual atua, tem se tornado cada vez mais importante no mundo moderno... em alguns tipos de atividade há concentração de resultados entre poucos indivíduos e elevadas recompensas no topo da distribuição de talentos."

Nos esportes, ranking da Forbes com os atletas mais bem pagos em 2022 revela Messi, a grande estrela desta Copa do Mundo, na liderança, recebendo US$ 130 milhões por ano, seguido de LeBron James, o astro do basquete americano, com US$ 121 milhões.

Seleção homenageia Pelé durante partida pela Copa do Mundo 2022 - Pedro Nunes - 5.dez.2022/Reuters

É claro que a remuneração total das superestrelas está intrinsecamente relacionada às mudanças no mundo do entretenimento, com retornos que também vem de patrocínios, propagandas e direitos de imagem em tudo o que leva seus nomes. Mas as grandes forças por trás desses supersalários, identificadas há mais de 40 anos atrás por Rosen, mostram que tão importante quanto o talento é a estrutura de mercado onde estes profissionais atuam, ou o tamanho do mercado que é controlado (ou dominado) por eles.

A habilidade de atrair uma grande audiência —por talento, mas também por carisma— e gerar um grande número de transações determina a escala de uma pessoa no mercado. Além disto, uma substituição imperfeita entre os talentos garante os direitos de propriedade sobre o que é comercializado seja atribuído única e exclusivamente a quem o produto se refere ou a quem o anuncia. É esta substituição imperfeita e a capacidade de servir um enorme mercado que garante que os ganhos sejam, em larga escala, apropriados pelas superestrelas.

Apesar de Pelé ter sido único em suas atuações, sua remuneração enquanto atleta destoa bastante das cifras praticadas atualmente. De acordo com a Forbes, Pelé seria o jogador mais bem pago se atuasse nos dias de hoje, recebendo o equivalente a US$ 223 milhões. Mas em 1961, no auge de sua carreira e jogando pelo Santos, seu salário seria mais ou menos equivalente a R$ 70 mil em valores atuais, conforme divulgado nos jornais da época. Seria a comparação de salários entre Messi e Pelé uma boa forma de inferir qual dos dois seria o melhor de todos os tempos? Obviamente não.

No Brasil de 1958, ano no qual ganhamos a primeira Copa, e no qual Pelé estreou aos 17 anos pela seleção brasileira, eram apenas algumas centenas de milhares de televisões no país. Hoje, cerca de 95% dos domicílios possuem TV, e ela está presente em 70 milhões de casas.

Os avanços tecnológicos que vivenciamos nas últimas décadas —com streaming dos jogos em tempo real e reproduções que permitem que uma mesma jogada seja vista por várias pessoas ao mesmo tempo e em qualquer lugar do mundo— aumentaram ainda mais o escopo do mercado onde os atletas atuam. Estas inovações, que amplificam as economias de escala, e permitem que o mesmo entretenimento alcance mais pessoas ao mesmo tempo e ao mesmo custo, verdadeiramente explicam o motivo de o salário das superestrelas ter crescido tão expressivamente nas últimas décadas.

O fenômeno das superestrelas, bastante evidente nos esportes, se manifesta também em outros atividades, como na música, nas artes e na literatura, mas também nos altos salários de CEOs do mundo corporativo, já que a grande escala das maiores empresas do mundo faz com que cada decisão gerencial se torne tanto mais relevante.

Se o capitalismo depende da desigualdade —isto é, pagar maiores salários para os maiores talentos— para revelar superestrelas, como Messi, Pelé, mas também os executivos das empresas, resta a pergunta: quanta desigualdade conseguimos tolerar para conseguir atrair e alocar talentos onde eles são mais produtivos?

Para Pelé, nenhuma remuneração parece fazer jus aos brilhantismos de suas jogadas. Ficam, felizmente, os inúmeros registros de sua atuação, cujo escopo alcança gerações.

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