A reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional) na semana passada trouxe três decisões relacionadas ao regime de metas para inflação. Primeiro, alterou a apuração do cumprimento da meta para um prazo contínuo. Segundo, estabeleceu a meta de 2026 em 3%. E, terceiro, reiterou que a meta para 2024 e 2025 —que havia sido definida em reuniões passadas— se mantém em 3%.
Dentre as três, apenas a primeira representa uma mudança ao regime de metas, já que, no desenho atual, cabe ao CMN definir os objetivos que serão perseguidos com bastante antecedência —três anos calendários a frente— e se comprometer com as metas definidas anteriormente.
Pela nova regra de apuração, a inflação precisa ficar dentro do intervalo de tolerância de forma contínua, não apenas ao final de cada ano-calendário. Como os efeitos dos juros na economia são defasados, e há muitos outros fatores —como a elevação dos preços de commodities ou gargalos nas cadeias produtivas globais— que alteram a inflação que se observa em determinado ponto no tempo, uma apuração contínua torna o regime de metas mais eficiente. Ela permite suavizar o processo de convergência da inflação a partir da incidência do choque, considerando que este leva tempo para se dissipar.
Ainda que seja uma decisão acertada, os efeitos de ordem prática devem ser pequenos. A regra anterior já contemplava a possibilidade do descumprimento da meta no ano-calendário pela razão acima. Quando isso acontece, o Banco Central presta esclarecimentos em carta aberta, conforme foi feito, recentemente, para os anos de 2021 e 2022. Assim, a meta contínua apenas reforça o entendimento de que o descumprimento da meta em determinado ponto no tempo não significa desvios de atuação do Banco Central com relação ao seu mandato, como já se entende atualmente.
Surpreendentemente, o anúncio mais aguardado da reunião estava na definição do centro da meta, que ficou contaminado por discussões políticas a favor de sua elevação. Apesar de a meta ter sido finalmente confirmada (e mantida) em 3%, toda a discussão sobre sua elevação trouxe prejuízos reais para a economia.
Incertezas com relação à nova meta se refletiram nas expectativas de inflação em horizontes mais longos, que passaram a incorporar o risco de que uma mudança pudesse de fato acontecer. A expectativa de inflação é um importante canal de transmissão da política monetária e atua como uma âncora, balizando os reajustes de preços e salários que acontecem na economia.
Expectativas fora da meta (isto é, desancoradas) tornam o processo desinflacionário muito mais lento e custoso, já que estimativas de inflação no futuro alimentam a inflação corrente. Quando as expectativas estão desancoradas, a política monetária precisa atuar de forma mais contundente para trazer a inflação para a meta estabelecida.
Ao longo do ano, as expectativas de inflação (mediana) para 2025, 2026 e 2027 chegaram a alcançar 4%. É claro que o processo de desancoragem das expectativas pode ter outras causas —já que também incorpora incertezas com relação a trajetória fiscal ou mesmo questionamentos sobre a leniência da autoridade monetária com a inflação—, mas é notável a expressiva melhora nas previsões após a confirmação da meta em 3%, na semana passada. Nesta semana, a mediana da expectativa de inflação para 2025 caiu de 3,79% para 3,6%, enquanto a de 2026 caiu de 3,7% para 3,5%.
Ao que tudo indica, estamos começando a ver um processo de reancoragem das expectativas que vem principalmente da correção de rumos na discussão da meta. Dúvidas com relação à trajetória da inflação retiram toda a vantagem que o regime de metas traz para a economia, ampliando as incertezas e prejudicando a capacidade das famílias e das empresas de planejar o seu futuro.
A simples discussão sobre a mudança da meta elevou as expectativas de inflação, prejudicou o processo desiflacionário e adiou o início do ciclo de cortes de juros, ao contrário do que se pretendia. Implicou uma desaceleração mais expressiva na concessão de crédito, o aumento mais pronunciado da inadimplência e um mercado de trabalho menos dinâmico. Tudo isso poderia ter sido evitado se o debate político respeitasse um pouco mais o conhecimento técnico produzido nesse assunto.
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