Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Silêncio digno de Biden não funciona contra Trump

Estratégia de campanha do presidente é se calar sobre problemas judiciais de republicano, que solta suas farpas sem parar

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The New York Times

Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, está aumentando sua esmagadora liderança entre os republicanos para as eleições de 2024 e, em uma eventual disputa, empatando com o presidente Joe Biden, de acordo com pesquisas recentes.

Isso é surpreendente, considerando os problemas judiciais de Trump, mas é o resultado lógico de um candidato que concorre sem condenação e oposição contundentes —seus adversários, por razões diversas, adotaram a estratégia de ignorar a situação, torcendo para que o republicano sucumba sozinho.

Eles desejam uma avalanche de situações hipotéticas, mas não há vitória sem confronto nesse tipo de batalha.

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O presidente Joe Biden durante pronunciamento na Casa Branca, em Washington - Tom Brenner - 16.fev.23/The New York Times

A relutância em enfrentar Trump permitiu que ele e seus representantes desenvolvessem uma narrativa de vitimização enquanto a imagem de timidez e fraqueza em torno de seus oponentes se solidificou como gesso.

Com essa falha, essa campanha de covardia, os eleitores republicanos, já preparados por Trump para não acreditar em fatos, mas em teorias conspiratórias, são privados de qualquer debate que possa ajudar a modular suas opiniões. Esses eleitores existem em um vazio de veracidade, e Trump o preenche com sua versão da verdade: a antiverdade.

Não apenas a maioria dos rivais republicanos de Trump evita atacá-lo por suas várias acusações —seu oponente democrata também o faz. Biden se recusa a comentá-las. Ele e sua campanha escolheram manter distância do caos e não alimentar a falsa afirmação de Trump de que seus problemas judiciais têm origem em animosidade política.

Essa ideia de um silêncio digno tem uma longa história política, mas sua utilidade e eficácia são incertas em um contexto moderno. Parece um pouco como uma nostalgia da série "Happy Days" em uma realidade de "The Walking Dead".

E, ainda assim, Biden não muda de postura. Na semana passada, o copresidente de sua campanha, Cedric Richmond, reiterou a estratégia: "Não vamos nos concentrar nos problemas judiciais de Donald Trump."

Mas os problemas judiciais de Trump não são multas de estacionamento ou pensões alimentícias; são o ataque contínuo à nossa democracia. É difícil conciliar que o candidato que está fazendo campanha para proteger nossa democracia não aborde a grande ameaça a essa democracia. Ameaça que não se trata apenas do que aconteceu, mas do que ainda pode acontecer.

Em julho, o jornal The New York Times relatou que Trump e seus aliados planejam "reestruturar o Poder Executivo para concentrar mais autoridade diretamente em suas mãos" se ele recuperar a Casa Branca. Na semana passada, a Associated Press publicou que grupos conservadores liderados pela Heritage Foundation estão elaborando planos para "desmantelar o governo dos EUA e substituí-lo pela visão de Trump", caso ele seja reeleito. No ano passado, o republicano pediu a anulação da Constituição para invalidar as eleições de 2020.

Ainda assim, Biden adota a abordagem do silêncio digno, agarrando-se quase religiosamente à ideia de que os eleitores reconhecerão e apreciarão a diferença entre um restaurador e um destruidor.

Esse pode muito bem ser o caso. A continuidade da República como conhecemos pode depender disso. Mas é perfeitamente razoável questionar a sabedoria dessa abordagem e ficar apreensivo.

Durante a campanha de 2019, Biden disse que havia aconselhado Hillary Clinton a "não entrar" no assunto da infame gravação do programa Access Hollywood durante o segundo debate, porque isso só contaminaria o debate. Como Biden colocou, "todo mundo sabe quem é Donald Trump".

Hillary adotou a abordagem suave de Biden. Quando questionada sobre o vídeo, ela deu uma resposta um tanto vaga e afirmou que "cada um pode tirar suas próprias conclusões sobre se o homem no vídeo ou o homem no palco respeita as mulheres".

Mas Trump partiu para o ataque. O WikiLeaks havia começado a vazar emails de John Podesta, e Trump tornou as mensagens seu argumento central.

Como a Rolling Stone colocou em 2018, "a gravação do Access Hollywood dominou as manchetes por cerca de uma semana; o WikiLeaks, por outro lado, teve um ritmo incessante de rumores e acusações que deixaram os conservadores em estado de fúria perpétua".

Hillary, é claro, perderia aquela eleição.

A assimetria na forma como Trump e seus oponentes se envolvem nesse tipo de assunto dá ao republicano grande vantagem. Ele solta suas farpas sem parar e de forma errática, até que uma delas acerte. Seus oponentes se recusam a responder da mesma forma, mantendo uma calma respeitável enquanto acumulam feridas políticas.

Durante um discurso no Dia do Trabalho, que alguns viram como o momento em que o presidente começou a intensificar seu ataque a Trump, Biden nem sequer mencionou o nome de seu antecessor, referindo-se a ele repetidamente como "o último cara".

A maioria dos oponentes de Trump, tanto republicanos quanto democratas, estão fazendo uma aposta arriscada, que depende completamente do discernimento do eleitor americano. Isso pode, no final, se mostrar uma brilhante avaliação tática, mas me preocupo que, de forma igualmente provável, seja um terrível erro de cálculo.

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