Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi
Descrição de chapéu Venezuela

A Venezuela descerá mais ao inferno?

Depende de como o resultado da eleição presidencial deste domingo for fabricado

Homem aparece desfocado e traja calça jeans e camiseta vermelha; cartazes de Maduro ocupam parte superior da imagem no muro cinza; abaixo à direita há uma pichação em preto com a expressão "Despenalize o aborto"
Homem passa em frente a muro com cartazes de campanha de Nicolás Maduro em Caracas - Juan Barreto/AFP

Quando há eleição em um país normal, a curiosidade de praxe é saber quem vai ganhar. Mas essa dúvida não cabe na Venezuela, que não é um país normal e, sim, uma ditadura fracassada —um dos mais estrondosos fracassos na história de uma América Latina que não é exatamente brilhante.

O que de fato conta é quantos votos a ditadura reconhecerá para os candidatos da oposição, em especial para o principal deles, Henri Falcón.

É o que vai definir o dia seguinte à eleição deste domingo (20) e os meses seguintes.

Examinemos então os cenários possíveis.

1 - O presidente Nicolás Maduro obtém (ou forja) uma maioria significativa. Nesse caso, a Venezuela "transitará do autoritarismo para o totalitarismo", teme David Smolansky, que foi prefeito de El Hatillo, na Grande Caracas, deposto arbitrariamente pelo governo e hoje refugiado nos EUA.

Ou seja, a ditadura fechará os poucos e débeis canais de respiração da oposição e da sociedade civil.

É um caminho que levará inexoravelmente à continuação da mais grave crise econômica e social conhecida na história da América Latina.

Ainda mais que o chamado Grupo de Lima —composto por 12 países latino-americanos, entre eles todos os principais, como Argentina, Brasil, Colômbia e México— emitiu comunicado em que acena com sanções.

Diz o texto, respaldado também pelos Estados Unidos e pela Espanha, que os participantes "identificaram uma série de ações que poderiam ser tomadas coletiva ou individualmente, após o 20 de maio, nos campos diplomático, econômico, financeiro e humanitário".

Que ações, não informa. Nem creio que haja um arsenal realmente poderoso e/ou disposição política para adotá-lo de forma a influir na situação interna da Venezuela.

Para a ditadura, basta o apoio ou, ao menos, o silêncio de seis países, conforme Maduro admitiu faz pouco: Belarus, Índia, Irã, Turquia e, principalmente, China e Rússia.

Parêntesis: para que serve o grupo Brics se três de seus membros (Índia, China e Rússia) apoiam a ditadura venezuelana, enquanto o Brasil a ela se opõe frontalmente?

2 - Henri Falcón obtém (e o governo lhe reconhece) uma votação expressiva. Há na oposição quem ache que Falcón pode até ganhar (e o governo admitir sua vitória).

Mas, mesmo que não se chegue a esse extremo, divulgar uma votação significativa para o oposicionista indicaria que o regime chegou ao fundo do poço e admite que é preciso iniciar uma transição.

Transição necessariamente negociada, como, de resto, vem insistindo Falcón durante a campanha.

Ideia que tem apoio, por exemplo, do Wola (Washington Office on Latin America), bom centro de observação sobre América Latina: "Um tipo de transição pactuada é provavelmente o caminho mais realista para sair da crise venezuelana, porque o governo não cederá poder sem certas concessões", escreve Geoff Ramsey, diretor-assistente do Programa Venezuela do Wola.

Nesta noite, se saberá qual das duas hipóteses prevalecerá. Minha dúvida é saber se a diplomacia brasileira está preparada para atuar rapidamente, seja qual for o desfecho.

O país, afinal, tem interesse direto no estancamento da sangria venezuelana, entre outras razões porque calcula-se que 50 mil venezuelanos tenham fugido para o Brasil como consequência da crise. Mais virão se Maduro ganhar.

Se houver a transição desejada, o FMI calcula que a Venezuela precisará de US$ 30 bilhões por ano, durante 10 anos, para se reconstruir. Ajudaremos ou nos faremos de mortos?

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