Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

A Lei de Toffoli revogou a Lei de Gérson

Gestor solitário da pauta constitucional, presidente do STF tem disciplina colaboracionista

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Dias Toffoli é um ministro de sacadas infelizes e palavreado oco. Chegou ao Supremo Tribunal Federal dez anos atrás cercado de desconfiança. Reprovado em dois concursos para a magistratura, sem nenhum curso de pós-graduação e com trajetória partidária, sofreu com a crítica de que não tinha estatura acadêmica e profissional para integrar o tribunal.

A crítica era tola e bacharelesca. Não o fazia inferior a qualquer outro ministro, mas ele mordeu a isca. Optou por construir sua respeitabilidade por meio da exibição afetada de polimento intelectual. Concebeu salada de conceitos e autores para anunciar sua visão sobre o papel do STF. Saiu por aí recitando o resgate da “separação clássica dos Poderes”.

Resumiu assim em discurso de posse: “Na falta de outros Poderes, é o Judiciário chamado para agir de maneira extrajudicial, prevenindo o conflito que você sabe que vai acontecer, trabalhando com a conciliação, a mediação e a moderação”. Aproveitou e sacou dois nomes para sustentar a tese extravagante —a historiadora Emília Viotti e o jurista Raymundo Faoro— que nunca disseram coisa parecida.

Seguiu seu método de inversão conceitual ao propor um “pacto republicano” entre os Poderes, traduzido num compromisso com as reformas. Como se fosse dado ao tribunal fazer outra coisa que não um juízo independente de constitucionalidade se e quando for chamado. “Republicano” foi só o verniz.

Toffoli distorceu a ideia de diálogo institucional. Confundiu diálogo com conchavo entre autoridades públicas e com negociação de constitucionalidade, prática espúria que forjou em coautoria com Luiz Fux. Não há exemplo mais eloquente do que a troca do auxílio-moradia pelo aumento salarial. Mas há muitos outros.

O conchavo opera por meio das liturgias do patrimonialismo: o almoço com ministros de governo (Guedes, Onyx etc.), a presença constante em solenidades de baixo calibre institucional para mostrar boa vontade com o governo, os elogios gratuitos a reformas que ainda não julgou etc. Não foi à toa que Bolsonaro agradeceu ao “nosso STF, que tem nos ajudado a garantir a governabilidade”.

Toffoli cassa liminares de colegas ministros quando geram ruído (como a de Marco Aurélio); agenda e desagenda casos como quem escolhe o sabor do sorvete (a ação que trata de porte de drogas é dos exemplos mais dramáticos); interrompe julgamentos quase acabados sem data para voltar (como o que discute se o delatado tem direito de falar por último).

Basta o governo revogar um decreto e renová-lo, com conteúdo idêntico, horas depois, para que Toffoli arquive a ação que discutia o tema (o caso do decreto das armas). Na doutrina constitucional, isso se chama fraude à separação de Poderes. Em toffolês, moderação republicana.

Há hoje duas maneiras de gerir a pauta do STF: da maneira obscura de sempre, como se nada estivesse acontecendo nessa primavera de normalidade democrática; de maneira ousada, com critérios públicos, “como se” vivêssemos o momento político mais ameaçador dos últimos 35 anos. Para quem interpretou golpe militar como um “movimento”, com o orgulho da irresponsabilidade diletante, essa pode ser distinção dura de se fazer.

Toffoli é gestor solitário da agenda constitucional do país. E o faz com disciplina colaboracionista. Traiu sua promessa de posse, de que cabe ao Judiciário “pacificar os conflitos em tempo socialmente tolerável, ‘porque o tempo, o tempo não para’, já dizia Cazuza”. Traiu Cazuza também.

Na sua gestão, aprendemos que esse tempo deve ser mais tolerável para uns do que para outros. Ao justificar a demora do julgamento sobre execução da pena após segunda instância, revelou: “É uma sintonia muito fina”.

O oposto do conchavo (“diálogo”, em toffolês) não é a hostilidade entre os Poderes, essa guerra imaginária que ele diz evitar. O oposto de conchavo é independência judicial, uma proteção que não se pode relativizar sem pôr tudo a perder.

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