Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

O que o STF pode fazer hoje contra o morticínio?

Os cinco casos que demoram demais, fora os outros

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O STF faz seu próprio tempo. Toma decisões oportunas, em geral, quando seu tempo coincide com o interesse público ou quando, por autoproteção, atende a pressões. Seu senso de urgência não costuma estar em sintonia com urgências do país. Nossa pauta constitucional depende dos caprichos de cada ministro. São intérpretes das nossas urgências e não consideram dever explicação a ninguém.

Regras elásticas permitem que qualquer caso seja decidido hoje, na próxima hora, ou nunca. O país que espere ou se adapte a esse compasso lotérico. Exemplos estão nas gavetas do presente e na duração das decisões do tribunal.

A lógica do "devo, não nego, julgo quando quiser" não conseguiu, porém, governar a agenda do STF na pandemia. O Supremo foi instado a assumir responsabilidades no manejo jurídico da emergência sanitária e tomou decisões importantes.

Afirmou competência concorrente de estados e municípios no combate à Covid, decisão que Bolsonaro falseia para dizer que STF o proíbe de agir. Disciplinou operações policiais no Rio de Janeiro, exigiu do governo divulgação de dados de saúde e invalidou iniciativa do governo de limitar Lei de Acesso à Informação. Flexibilizou Lei de Responsabilidade Fiscal e atestou a legalidade de vacinação compulsória.

Mas há os casos em que ainda opta pela espera da Covid. São casos que podem conter o morticínio em curso e o estado de intimidação. Podem decidir hoje, ou podem decidir nunca. Cinco casos merecem especial atenção.

O primeiro caso trata da tentativa de o Senado mostrar que se incomoda com as 300 mil mortes no país e instalar CPI da política sanitária. Do Congresso não tem saído sequer convocação de ministro para explicação. Surgiu uma luz quando 31 senadores, há dois meses, assinaram requerimento de CPI.

Rodrigo Pacheco se omite e prevarica. Viola o artigo 58, §3º, da Constituição, que prescreve a instalação de CPI a partir da assinatura de 1/3 dos membros da casa, e desafia precedente do STF quando da CPI do Apagão Aéreo. O Brasil é epicentro mundial da pandemia por seus próprios méritos, mas o presidente do Senado não deseja CPI. Ação sob relatoria do ministro Barroso aguarda o ar de seu tirocínio jurídico (MS 37760).

O segundo caso diz respeito ao agravamento do estado de intimidação por meio da Lei de Segurança Nacional. O ministro da Justiça e a Polícia Federal assediam ilegalmente qualquer cidadão que grite "genocida". Um conjunto de ações questiona a constitucionalidade de artigos mais graves da LSN (como a ADPF 799). Há também habeas corpus coletivo pedindo a proteção desse direito elementar. Estão todos na mesa de Gilmar Mendes.

O terceiro caso envolve à irresignada tentativa de Bolsonaro desmantelar o marco regulatório de armas de fogo no país, assunto da mais grave leniência do STF desde antes da pandemia. Sabe-se que não há país do mundo que tenha se tornado mais seguro por meio da distribuição de armas de fogo; sabe-se que a liberação de armas serve à violência geral e em especial ao crime organizado.

O governo tem usado de chicana para fraudar controle. De decreto ilegal em decreto ilegal, antes de Congresso ou STF invalidarem, janelas se abrem ao armamento. Augusto Aras pediu audiência pública ao STF pra ampliar ainda mais a janela. Esse conjunto de ações está na mesa da ministra Rosa Weber (ADI 6119, ADI 6675 etc.). A milícia agradece a demora.

O quarto caso é peculiar. Em 1º de julho de 2020, o STF recebeu ação para atenção especial a povos indígenas, de grande vulnerabilidade ao vírus (ADPF 709). O relator, ministro Barroso, ordenou criação de "sala de situação" para que generais elaborassem plano, desde que ouvidos os próprios indígenas. Ao longo dos meses, reuniões fracassaram, indígenas eram verbalmente agredidos por militares, e planos precários foram apresentados.

Barroso indeferia o plano da vez e pedia outro. Chamou de "diálogo institucional". Em março de 2021, diante do quarto plano, resolveu aceitá-lo parcialmente. Este plano carece de qualquer medida eficaz de proteção das áreas indígenas contra ocupações do crime organizado. Nove meses depois, chama a atenção não só a falta de solução respeitável, mas a leniência.

E se quiserem proteger a vida, não se esqueçam da pandemia nas prisões, que duplica a tragédia humanitária já contratada antes (ADPF 684, com Kassio Nunes, há quase um ano sem qualquer decisão).

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