Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

O JusPorn Awards 2022 vai para...

Vamos celebrar a lascívia magistocrática contra a instituição da justiça

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Os maus costumes magistocráticos podem ser objeto de indignação ou de gozação. O JusPorn Awards optou pela gozação. E pela sacanagem. Houve muita em 2022. Bolsonaro barbarizou, mas não conseguiu ofuscar a juspornografia.

Houve desembargador paranaense que publicou "As dez tentações na vida profissional de um juiz". Nasceu clássico. Entre outras, enumerou as tentações da vaidade, da inveja, do sexo com "belas moradoras locais". E se rendeu à tentação da sinceridade.

Estátua da Justiça em frente ao Supremo, em Brasília - André Borges - 7.ago.12/Folhapress

Houve juiz mineiro que levou oito minutos para suspender proteção ambiental da serra do Curral, mas obstruiu medidas contra mineração no local por meses. Houve juiz catarinense que condenou advogada por publicar os "Causos da Comarca de São Barnabé". Na ficção, o personagem Floribaldo Mussolini era juiz do "Tribunal de Justiça de Santa Ignorância". O juiz real, Rafael Rabaldo, achou que era com ele e processou.

O STF enfim decidiu um dos casos juridicamente mais fáceis do ano e invalidou o orçamento secreto. Chamou atenção a tentativa de o centrão fazer concessões para manter o esquema, numa negociação de constitucionalidade ao gosto de ministros do tribunal. No dialeto juspornográfico, essa indecência se chama "jurisprudência lubrificada".

Curiosa foi a revelação de Augusto Aras. Alegou "cognição incompleta" e retirou parecer favorável ao orçamento secreto. Confessar sua incompletude foi um bonito ato porno-existencial. No juridiquês da alcova, chama-se servidão passiva.

Leitor me alertou faltarem ao JusPorn as categorias "desumanidade magistral" e "decisão descabida e sem conhecimento". Ele se referia à juíza catarinense que impediu menina estuprada de 11 anos de obter aborto legal.

A juíza perguntou à menina se esperaria "três semanas" e se o estuprador estaria de acordo. Retirou a menina da família e a mandou para um abrigo. Foi promovida pelo TJ-SC. E ainda ganha um JusPorn 2022.

Por falar em "desumanidade magistral" e em "decisão sem conhecimento", o JusPorn Awards não se esquece do conjunto da obra de Dias Toffoli de 2022 (nem de 2021, 2020, 2019). Leva outra estatueta.

Toffoli foi pedir desculpas a Lula por ter proibido o presidente eleito, quando na prisão, de ir ao velório de seu irmão. Escusas, na magistocracia camarada, costumam funcionar como excludente de ilicitude. Toffoli tenta convertê-las em excludente de peso na consciência e includente de interesse de conveniência.

Toffoli passeou na casa de veraneio de Fábio Faria. Não fosse suficiente ser ministro do governo, Faria é filho de ex-governador acusado de corrupção. Robinson Faria pede habeas corpus ao STF.
O relator? Dias Toffoli (HC 202522).

Toffoli ainda foi visto na comitiva de Bolsonaro, Faria e empresários para cerimônia de saudação nonsense a Elon Musk, recebido como chefe de Estado.

Toffoli, em palestra a empresários em Nova York, opinou que o maior livro do século 20 é "Entre o Passado e o Presente", de Hannah Arendt. Errou o título do livro que admira (na verdade, "Entre o Passado e o Futuro"), mas seu mérito maior foi causar incidente diplomático ao falar que o Brasil deve evitar o extremismo argentino que ele viu num filme de Darín.

A Argentina puniu delinquência militar da ditadura. O Brasil se ajoelha à delinquência militar na democracia. Quem não prende os seus Videlas convive com herdeiros de Ustra. Outro dia Toffoli disse que o país não teve "golpe", mas "movimento".

Aos empresários afirmou que Bolsonaro vem "enfrentando as corporações". Frustrou quem esperava mais brilho analítico: "Não tenho tempo para desenvolver o que quero dizer com isso" . Alívio na plateia.

O Código de Ética da Magistratura tem regras. Manda magistrado evitar "comportamento que possa refletir favoritismo". Ensina a juízes que estão sujeitos a "restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral". O Código de Processo Civil diz que será suspeito o juiz "amigo íntimo" ou "inimigo" das partes. Regras que magistocratas não cumprem. Ainda menos o STF.

O JusPorn festeja a desobediência e a depravação. Não surgiu para iluminar o erro e a barbeiragem, o abuso e a desmedida, a cafonice e o mau gosto judiciais.

Veio para celebrar a lascívia magistocrática contra o bem público e a instituição da justiça. Serve para apreciarmos os homens e mulheres da lei contra a lei. Incentiva o voyeurismo da libertinagem togada.

O evento é financiado pelo Fundo Depravare, constituído por dois auxílios-moradia ainda não pagos (de aposta unilateral feita com Fux) e por "grant" do Lide, a agência de entretenimento jeca-judicial de propriedade de João Doria. O troca-troca entre políticos e empresários dá as boas-vindas à magistocracia.

Lembre-se: "Nenhuma nudez judicial será castigada. Toda desfaçatez magistocrática será premiada".

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