Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu STJ

STJ celebra o mês da mulher

Tribunal revoga direito de meninas contra violência sexual e controla traje feminino

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A magistocracia tem vocação para discriminar minorias. Não vive só de distribuição de honrarias, da acumulação de auxílios-dignidade ou de licenças-promiscuidade.

Neste mês da mulher, o Superior Tribunal de Justiça esclareceu como enxerga o corpo feminino: de mulheres que frequentam o tribunal e de meninas abaixo de 14 anos de idade que sofrem estupro e engravidam nos rincões do país.

Em julgamento de estupro de criança de 12 anos por homem de 20 amigo da família, que gerou gravidez e nascimento de um bebê, a Quinta Turma do STJ decidiu ignorar o legislador e suprimir o conceito de "estupro de vulnerável". Forjou um inusitado sopesamento entre a dignidade da criança estuprada e a vida da criança gerada, e optou pelo segundo. Afinal, o homem que cometeu estupro daria assistência ao bebê.

Sessão da Corte Especial do STJ nesta quarta-feira (20) - Rafael Luz/STJ

O relator Reynaldo da Fonseca explicou: "Quero reafirmar a defesa dos direitos da criança, no sentido de que criança menor de que 14 anos não foi feito pra namorar, foi feito pra brincar". (sic)

"Só que a vida é maior do que o direito. A antecipação da fase adulta não pode acarretar um prejuízo maior para aqueles que estão envolvidos. Agora temos uma criança, o pai continua dando assistência a essa criança."

Quando o raciocínio judicial abre com a premissa "a vida é maior que o direito", espere pela violação do direito.

O ministro Joel Paciornik explica um pouco menos: "Eu penso que, no cotejo entre esses princípios, o que é menos pior para o tecido social nesse momento seria o encarceramento e a permissão de que essa pessoa fosse afastada e desconstituísse aquele relacionamento que se estabeleceu". O ministro Ribeiro Dantas acompanhou.

A teoria do "tecido social", invocada por Joel, foi só uma intuição sociológica fortuita mesmo, não produto de consulta a qualquer assistente social, psicólogo, sociólogo ou médico da família. O raciocínio magistocrático dispensa a ciência social e o mundo real. Ele se basta.

A ministra Daniela Teixeira, única mulher do colegiado, reagiu: "Determinados tipos penais têm nome, e o nome desse relacionamento é estupro de vulnerável. (...) Eu apelo: não abram uma porta de horror que fará com que nossas crianças tenham como excludente de tipicidade do estupro de vulnerável a simples questão de um homem maior dizer 'eu me apaixonei por essa criança'." O ministro Messod Azulay acompanhou.

O precedente criou a seguinte regra jurídica: o estupro de vulnerável pode não ser crime se um bebê surgir nove meses depois e o homem manifestar afeto financeiro pela criança que gestou e a criança que nasceu. Uma "licença para estupro", segundo Luiz Francisco de Carvalho. Em nome do "menos pior para o tecido social".

O STJ também aproveitou o mês da mulher para atualizar seu dress code que vinha sendo liberal demais. E foi a ministra presidente, Maria Thereza de Assis Moura, a assinar instrução normativa que passou a proibir blusa regata, cropped e minissaia, trajes normais a mulheres no exercício profissional em ambientes formais ou informais.

Para o homem a regra segue exata e segura: o terno e gravata de sempre, não tem erro. Para a servidora ou advogada que ontem deixava o braço de fora, a partir de agora precisa recalcular a parte do corpo que sua roupa deixa à mostra. E que o porteiro do prédio, no exercício do seu micropoder, autorize.

O STJ afirmou ser uma norma "mais inclusiva, em cumprimento ao compromisso do tribunal com a promoção da cidadania e a inclusão de todas as pessoas". Afinal, "não faz mais distinção entre o vestuário de ‘homens’ e ‘mulheres’, mas, sim, de pessoas que se identificam com o gênero masculino ou com o gênero feminino".

A regulação do dress code nos tribunais brasileiros tem uma longa história. Foi só no ano 2000, por exemplo, que mulheres foram autorizadas a usar calça. Mas não sem um terninho. E foi só em 2007 que uma ministra, Cármen Lúcia, ousou praticar a regra, para comoção do tribunal.

Por trás do pretexto de etiqueta e decoro, regras estritas de vestimenta se transformam em mecanismos de controle e discriminação. A nova regra do STJ restabelece o porteiro como guardião da decência da roupa feminina, um parâmetro arbitrário que esconde estigmas sobre o corpo da mulher.

Esta a homenagem do STJ às mulheres: meninas de 12 anos passam a estar ainda mais vulneráveis diante da ameaça de abuso sexual; frequentadoras do tribunal precisam medir melhor o comprimento da saia e da manga da camisa.

Em março de 2024, o JusPorn e o JusFashion deram as mãos no STJ.

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