Dan Ariely

Professor de economia comportamental e psicologia na Universidade Duke (EUA), autor de “Previsivelmente Irracional”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Dan Ariely

Ask Ariely: perdendo a moralidade, críticas preocupantes e recursos de reforma

Por que uma pessoa que faz um ato de gentileza também pode cometer algo imoral?

Querido Dan,

Recentemente perdi minha carteira enquanto fazia compras em um shopping. Em segundos, ouvi um anúncio me chamando para retirá-la no serviço de informações. Ainda bem! Mas, quando a peguei de volta, percebi que a pessoa que a devolveu tinha roubado todo o dinheiro e entregue somente minha carteira de motorista e meu cartão de crédito. Aqui está o que não entendi. Como uma pessoa fazendo um ato de gentileza também pode cometer algo tão imoral?
- Jessie

Mão abrindo carteira
Por que uma pessoa que encontra e devolve uma carteira também é capaz de pegar o dinheiro de dentro? - Fernando Moraes/Folhapress

O princípio básico em operação aqui é o que os psicólogos chamam de “licença moral”. As vezes, quando fazemos algo bom de forma consciente, como devolver a carteira de alguém, sentimos imediatamente um impulso em nossa autoimagem: provamos para nós mesmos que somos boas pessoas. Infelizmente, isso também nos torna menos preocupados com as implicações morais dos nossos próximos atos. No fim, se somos pessoas tão boas e morais, não merecemos agir um pouco de forma egoísta?

A licença moral atua em diferentes áreas da vida. Depois de reciclarmos nosso lixo do almoço,, estamos mais propensos a comprar algum produto não reciclável. Depois de irmos para a academia, é mais provável que peçamos um lanche com dois hambúrgueres. É por isso que, provavelmente, a pessoa que encontrou sua carteira e decidiu devolvê-la sentiu-se justificada ao pegar seu dinheiro.


Querido Dan,

Um pensamento me ocorreu durante a cobertura do recente resgate do time de futebol tailandês preso na caverna. Pareceu-me que nenhum custo foi poupado para resgatar os doze garotos e seu treinador com vida. A mesma urgência para salvar vidas, independente do custo, foi vista durante o resgate dos mineradores chilenos em 2010.

Mas há muitas outras maneiras pelas quais, por uma fração do custo desses resgates, podemos, como sociedade, salvar e melhorar a vida de muitas outras pessoas, por exemplo, gastando mais com problemas de saúde pública. Não estou criticando o resgate dos jogadores nem dos mineradores. Os dois incidentes são situações que devemos comemorar, porque são exemplos do triunfo da ingenuidade humana e resistência contra as forças da natureza. Mas o que nos faz nos preocuparmos tanto com esses episódios e tão pouco com outros problemas?
- Stanley

Você está correto em sua observação. Nós ficamos mais motivados a tomar atitudes para ajudar outras pessoas quando vemos o sofrimento em um rosto específico do que quando ele está expresso em números abstratos. Isso é conhecido como o “efeito da vítima identificável”. Pense em momentos nos quais as pessoas foram mobilizadas em torno de problemas maiores. Eles normalmente acontecem logo após uma história real sobre alguém específico, ou devido a uma imagem angustiante produzida pelas notícias.

Considere, por exemplo, as histórias recentes sobre crianças imigrantes separadas de seus pais na fronteira dos Estados Unidos, o que tornou a questão da imigração mais urgente no espectro político norte-americano. A maioria de nós estava ciente do problema da imigração antes disso, mas quando o problema se tornou mais individual e visível, ele se tornou intolerável. Nós deveríamos ficar alertas quanto a esse efeito e, como você disse, não deveríamos necessariamente deixar os fatos ditarem onde nós concentraremos nossos esforços e recursos.


Querido Dan,

Eu recentemente decidi reformar meu banheiro por conta própria, ao invés de contratar algum pedreiro, o que teria me custado US$ 65 mil (R$ 247 mil). Eu mesmo fiz o serviço por US$ 25 mil (R$ 95 mil) gastos em materiais e alguma ajuda que contratei. O serviço tomou meus finais de semana por nove meses, tempo que, de outra maneira, teria gasto investindo em minha carreira. Eu gosto desse tipo de trabalho, mas você acha que eu estaria melhor se tivesse usado esse tempo no meu trabalho para ganhar mais dinheiro? O banheiro valeu a pena?
- Will

Certamente é mais eficiente contratar um pedreiro e você poderia ter utilizado o tempo para promover sua carreira, no entanto, parece que você ficou bem satisfeito por reformar o banheiro você mesmo. Alguns colegas e eu conduzimos uma pesquisa alguns anos atrás, sobre o que nós chamamos de “efeito Ikea”. Ocorre que, quando nós montamos algo por conta própria, acabamos sentindo muito prazer por mais tempo. Então eu não pensaria somente no dinheiro e tempo. Pense, também, no prazer de convidar os amigos para sua casa, mostrar o banheiro e sentir orgulho de suas habilidades.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.