"Apertem os cintos, teremos turbulência nessa noite!" Bette Davis olha com altivez para seus convidados e vira sua taça coupe, deixando apenas a pequena e redonda cebola no fundo, como um cíclope vigilante. O recado estava dado. Que não mexessem com ela. Os Gibsons entornados na festa esquentam o ambiente, que trepida no tenso embate entre a diva e sua assistente maquiavélica, na pele de Anne Baxter.
"A Malvada" (1950) não foi o único clássico do cinema a contar com o Gibson como combustível. Em "Intriga Internacional" (1959), Cary Grant bebe essa variação do dry martíni enquanto se deixa seduzir por Eve Marie Saint no vagão-restaurante de um trem. Hitchcock nunca havia feito um filme tão escancaradamente sexual. Os diálogos entregam. Ela: "Dei cinco dólares para o garçom te trazer aqui". Ele: "É uma proposta?". Ela: "Não falo de amor com o estômago vazio". Ele: "Mas você já comeu". Ela: "Mas você não".
Inesperado sucesso da Netflix, a série "O Gambito da Rainha" colocou o Gibson de volta no imaginário. É dessa substância feita de gim, vermute seco e cebolas em conserva que a jovem fenômeno do xadrez Beth Harmon toma seu primeiro gole. De álcool. Pergunta: "Martíni"? Ao seu lado, a mãe adotiva, que lhe havia oferecido a taça, explica: "Gibson. A cebola é mais refinada que a azeitona".
No livro epônimo de 1983, de Walter Tevis, cuja adaptação foi ensaiada por Bernardo Bertolucci e até Heath Ledger, pouco antes de morrer, o drinque é pedido on the rocks, num copo old fashioned. Um tanto estranho.
Mas combina com a personagem, que, corajosa, penetra no meio enxadrista eminentemente masculino—e eminentemente preconceituoso. Beth é a Judit Pólgar do autor, única mulher na história a ombrear com os campeões mundiais.
Porém, o álcool torna-se para Beth um vício maior que o xadrez. Por conta de uma noite tomando Pastis em Paris com uma bela e provocante modelo, ela perde uma partida —a mais importante, até então, em sua carreira.
As pílulas verdes, opiácios que toma desde o orfanato, pioram a situação, ainda que lhe deem conforto e um poder ilusório. Com o uso delas, Beth vê no teto, à noite, as peças do tabuleiro de xadrez se moverem e revelarem as estratégias a serem usadas. Aquele pequeno universo feito de 64 quadrados é o único lugar em que se sente no controle, confessa a uma jornalista (mais detalhes dariam um spoiler.)
Além das bordas de madeira está a matéria escura, que os grandes olhos da atriz (Anya Taylor-Joy) tentam perfurar. É justamente num breve momento de redenção que o Gibson brilha, num brinde íntimo àquela que a acompanhava nos cansativos campeonatos.
A ladeira abaixo ainda está à espreita, mas aquele instante fica suspenso no tempo. Como descrito no livro, em tradução livre: "O gim era cristalino e as cebolas pareciam duas pérolas. Quando provou, ela sentiu o toque no lábio superior, a descida suave na garganta. (...) Terminou o drinque devagar, e a fúria profunda que a perturbava começou a diminuir. Nas sombras do restaurante alguém tocava um piano. Beth olhou para o relógio. Eram quinze para meio-dia. E era bom estar viva."
Como fazer
Ingredientes
- 75 ml de gim
- 15 ml de martíni seco
- Gelo
- Duas ou três cebolas em conserva
Passo a passo
Coloque o gim, o martíni e o gelo num recipiente e mexa. Coe para uma taça martíni previamente gelada e acrescente as cebolas.
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