No capítulo anterior encontramos Leonard Cohen numa ilha grega sob o efeito do ouzo e da alegria dos amigos. O compositor de modernas aleluias dizia, afinal, que a cura para os males do mundo estava na busca pelo êxtase. Num de seus poemas, não à toa intitulado "É Bom Estar com as Pessoas", declara, com o misto habitual de ironia e honestidade: "Eu queria mudar o mundo/vendo televisão/enquanto fazemos amor/bebendo vinho grego e comendo azeitonas."
A força primordial do erotismo e do deixar-se estar pode ser transformadora. Ao menos por algumas horas. Cohen nunca foi de economizar no prazer, e o consumo alcoólico fazia parte de sua galantes indulgências. Frutos da natureza, as bebidas (e o LSD) tinham, para ele, uma potência de revelação (Cohen acentuava que a abstinência também tinha esse poder).
Inseguro nos palcos, detestava fazer turnês, a não ser no fim da vida, quando encontrou um equilíbrio espiritual depois de décadas de depressão e ansiedade. Seus remédios eram as conquistas amorosas, a escrita, a espiritualidade e drogas lícitas e ilícitas. Garrafas do grand vin de Château Latour também ajudavam. Daí para o primeiro acorde era menos que um passo —ele deixava as linhas inimigas para trás e se postava com serena intensidade diante da plateia.
No centro de zen budismo em Los Angeles, onde ficou por cinco anos e meio e foi nomeado monge, Cohen costumava beber conhaque Courvoisier com seu mentor e amigo, Sasaki Roshi. Às vezes saquê ou uísque.
Aos 60 anos, trabalhava como motorista e cozinheiro. Acordava às três da manhã para um cigarro solitário e preparava o café. Nesse tempo, escreveu 250 poemas e letras, e compôs algumas melodias no seu Cassio barato. Também não economizava em austeridade.
O ritual alcoólico durou até os 105 anos do mestre japonês. Era uma brecha nos mandamentos zen. Sem amarras disciplinares, os koans talvez ficassem ainda mais interessantes. O caminho para a iluminação passava também pelos bares da vida.
No poema "My Life in Art", de 1975, seu hedonismo heróico ganha forma prática: "Bebo um Red Needle, drinque que inventei em Needles, na Califórnia: tequila e cranberry, gelo e limão. Até a borda do copo." Red Needles fica no deserto do Mojave. O calor era tanto que ele foi a uma loja de conveniência buscar ingredientes para um coquetel salvador. E foi esses que encontrou.
É um cosmopolitan com tequila no lugar da vodca, sem Cointreau. Mas é anterior ao drinque oficial das amigas de "Sex and the City". Nas gravações do disco "The Future", abasteceu a banda com red needles. A hipnótica e divertida "Always" revela o clima do estúdio: "Preparei jarras desse coquetel e a gente não parava de tocar. (...) Foi uma noite intensa e exuberante, vários músicos me disseram que nunca foram tão felizes numa gravação."
A receita muda de acordo com as circunstâncias. Os elementos fixos são a tequila —bebida que está para o México como o ouzo para a Grécia— e o suco de cranberry. Frutas frescas podem entrar no mix, assim como suco de limão ou soda limonada. O negócio é, segundo o cantor e compositor de "Suzanne" e "You Want it Darker", relaxar e "fazer rapidamente, para resolver uma emergência". Na mesma entrevista, com a cara séria, emenda: "Você sabe, só bebo profissionalmente." E sorri.
RED NEEDLE
Ingredientes
- 60 ml de tequila branca
- 100 ml de suco de cranberry
- 10 ml de suco de limão
Como fazer
Coloque os ingredientes num copo alto com gelo e mexa levemente. Adicione uma fatia de limão.
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