Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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George Clooney embarca na nostalgia dos bares

Em 'The Tender Bar', no streaming, um menino cresce em meio a bêbados profissionais e casuais

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Durante muito tempo, achei que o único coquetel existente na Terra fosse o rabo de galo. Pinga e Cynar. Era só o que eu bebia, além de cerveja e Jack Daniel's. Não me passava pela cabeça que existisse algo chamado manhattan ou old-fashioned. A onda de coquetéis ainda estava longe.

Foi no Bar Brahma que minha cultura coqueteleira começou. Como sempre, pedi um rabo de galo. O garçom farejou que havia ali um explorador em potencial das boas alquimias e fez outra sugestão: "é algo parecido, só que melhor." Trouxe, então, um negroni e, naquela esquina, alguma coisa aconteceu.

Meu primeiro encontro com o álcool foi aos três anos, numa cidadezinha francesa chamada Besançon. Nasci lá. Meu pai preparava seu doutorado em astronomia. Morávamos no observatório e eu tinha uma vizinha um ano mais velha, com quem brincava.

Ben Affleck e Daniel Ranieri em cena de 'The Tender Bar', dirigido por George Clooney
Ben Affleck e Daniel Ranieri em cena de 'The Tender Bar', dirigido por George Clooney - Divulgação

A mãe dela, gaulesa da velha guarda, oferecia sidra no lanche. Um dia minha mãe sentiu o bafinho de maçã e perguntou se eu tinha tomado suco. "Não, é cerveja", eu disse, tão ignorante quanto orgulhoso.

No filme "The Tender Bar" (Amazon), dirigido por George Clooney (que já foi produtor da tequila Casamigos), há um garoto de nove anos que vive no bar do tio Charlie, o Dickens. Sentado na banqueta, JR mal consegue colocar os cotovelos no balcão. Sua educação sentimental se dá em meio a bêbados profissionais e casuais, sempre recebendo lições de um código muito próprio do tio adorado (Ben Affleck). Sem sidra.

O bar é uma espelunca honesta, encravada num vácuo periférico de Nova York. As bebidas dividem as prateleiras com um monte de livros, que se apertam onde dá. Qualquer um pode ler, mas quem se interessa pelas misturas literárias é o menino. Em casa, o tio abre outro armário lotado de romances e tratados filosóficos. "Se você quer ser escritor, tem de ler tudo isso".

O menino (Daniel Ranieri) não se intimida e bebe cada palavra impressa com interesse. Continua frequentando o Dickens, fazendo pequenos favores para Charlie e o avô amalucado (Christopher Lloyd), como comprar cigarros e levar recados. Com seus olhos grandes e inteligentes, vira mascote dos habitués. Suas Coca-colas deslizam velozmente pelo balcão. Estamos nos anos 1970, os costumes são vintage.

O código do tio boa-praça traz leis práticas, como reservar dinheiro na carteira que não seja para jogo ou bebida, a outras fundamentais, como "nunca bata numa mulher, nem se ela der uma tesourada nas suas costas". O pai do menino, um locutor alcoólatra, não segue esse conselho (chamar assim é muito pouco), para infortúnio da mãe (Lily Rabe), que pula fora da relação abusiva.

Os anos passam, e, escorado por suas leituras, JR entra em Yale. Para comemorar a admissão na prestigiada universidade, ele vai com dois amigos ao Dickens. A alegria é geral. O que beber naquele momento de grandes expectativas?

Charlie não tem dúvida: prepara para os rapazes o mais clássico dos drinks: o dry martini. Mas com um (Oliver) twist: algumas gotas de uísque. Com ou sem azeitona (olive). Talvez Charles Dickens aprovasse.

De acordo com o site Difford's, há um drinque quase assim com o nome do escritor, que faria 110 anos nesta segunda, 7. Elegante, o martini combina ainda mais com o talento e a beleza de Monica Vitti. Sem ela, a noite fica vazia. Deu-se o eclipse.

DICKENS'S MARTINI (uma variante)

Ingredientes

  • 75 ml de gim
  • 15 ml de vermute seco
  • 5 ml de uísque

​Passo a passo
Mexa os ingredientes com gelo e coe para uma taça martini gelada.

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