Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Versão batizada de coquetel sem álcool é nova moda em bares americanos

Primeiro 'mocktail' de que se tem notícia, Shirley Temple agora é encontrado em versão alcoólica

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A pequena Shirley Temple era a maior atriz americana nos anos 1930. O período pós-crash da Bolsa de 29 havia deixado os súditos de Tio Sam na rua da amargura. Natural que precisassem de instantes de doçura.

Os olhos brilhantes da menina de sete anos, também exímia cantora e dançarina, responderam ao inconsciente coletivo. Serviam de hipnose confortadora, lançavam raios de calor, criavam um espaço antidepressivo de alienação.

Foi dirigida por grandes, como John Ford, e menores. Não importa. Fato é que, em cada filme, não apenas encantava, como fazia os adultos de bobos, "monstros desajeitados". Era a mais esperta, a mais preparada para a vida. Um símbolo perfeito para a infantilidade habitual dos EUA.

O coquetel Dirty Shirley, nova moda nos bares-norte americanos
O coquetel Dirty Shirley, nova moda nos bares-norte americanos - Brent Hofacker / adobe stock

Na descrição arguta de David Thomson, em seu "The New Biographical Dictionary of Film", bíblia para qualquer cinéfilo que se preze, ela, dona de uma "perfeição élfica", era uma "moralista liliputiana com cachos dourados, que sapateava em nossos corações e soltava pérolas de sabedoria para dissipar a confusão reinante."

Num episódio bizarro, o grande escritor Graham Greene publicou artigo em que sustentava, criticamente, que Temple era uma adulta interpretando uma criança. A revista que publicou seu texto foi à falência com os processos que lhe caíram em cima.

Com tantos holofotes, surgiu outro problema, de maior importância: o que ela iria beber nas grandes festas hollywoodianas, muitas delas em sua homenagem? Álcool, nem pensar, claro. Nem mesmo vinho com açúcar ou sidra, como faziam na Europa com os petizes entediados.

Inventaram então o primeiro "mocktail", ou coquetel "de brincadeira", sem álcool. E batizaram com o nome da garota-prodígio. Doce como ela, virou febre. Era a embriaguez pelo açúcar, nada inocente.

Na curva da luz e do tempo, eis que o coquetel volta com força, mas batizado. Hoje crianças bebem suco orgânico e raramente participam de rodadas de drinques. Além disso, há mil outras opções de mocktails para os abstêmios. O virgin mary é uma delas. Um bloody mary puro sangue, só bloody. Quase uma metadona desetílica para alcoólatras em tratamento.

Foi assim que tascaram vodca no coquetel e deram a pecha de dirty ("suja") à pobre Shirley, que no fim da vida foi uma pudica embaixadora, há muito isenta do charme precoce que lhe deu fama. Mesmo atingida em sua virtude pelo destilado, a poção continua doce como as canções da "Turma do Balão Mágico". Mas agora a pegada é de "Armação Ilimitada".

Bartenders hipsters na América dos milkshakes e montanhas-russas teorizam com gosto: passamos mais uma vez por um baque forte (passamos?) e agora queremos have fun, sem culpa. É um drinque-diversão, afinal, uma volta colorida à sacarina, com uma pitada de malícia. Dirty. Ah.

Está em matéria do New York Times, que dissecou o fenômeno. Um dos entrevistados aposta no coquetel como o sucessor do expresso martini na preferência dos millennials. Tentou dar ares barthesianos à coisa: "o Shirley Temple tem sabor de ironia pós-suburbana". Milhões de buscas no TikTok sustentam a onda.

Em tempo: outubro é mês das crianças. Mas também dos adultos que vão votar. O dirty shirley é vermelho. Fica a sugestão.

​DIRTY SHIRLEY

Ingredientes

  • 7,5 ml de grenadine
  • 7,5 ml de suco de limão
  • 60 ml de vodca
  • 90 ml de ginger ale (ou 120 ml de ginger beer)

Passo a passo
Num copo collins com gelo, coloque os três primeiros ingredientes e depois acrescente, aos poucos, o ginger ale (ou beer). Decore com duas cerejas marrasquino.

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