Todo mundo já se sentou naquele balcão ao menos uma vez na vida. De um lado está um casal, ela com um cigarro na mão, vestido vermelho. Ele de chapéu e terno. Do outro lado, um sujeito solitário, possivelmente com um copo de bourbon, pensando na vida e nas mulheres que amou.
Lá fora, a noite vazia deixa-se banhar pela luz interior do diner, essa instituição muito americana, elo perdido entre a lanchonete e o restaurante. É uma luz que "ilumina, mas não aquece", de acordo com um crítico.
Referia-se a essa pintura de 80 anos, que parece flutuar no tempo, como se sempre estivesse ali, antes e depois, retrato distanciado da desolação e do silêncio. "Nighthawks" é o nome, falcões da noite, ou notívagos. São jornalistas, escritores, artistas, amantes, bêbados, detetives. Em meio à predominância do amarelo, vermelho e verde, emerge a atmosfera em preto e branco do "film noir".
O homem sozinho poderia ser Humphrey Bogart, no papel de Philip Marlowe. Ou Manuel Bandeira, de passagem por Nova York, elaborando sua melancolia precisa. A mulher tem o molde de Rita Hayworth. De onde vieram, para onde vão?
O homem com o suposto bourbon também poderia ser Edward Hopper, o autor do quadro, que pintou outros com mulheres parecidas, diante de janelas em quartos de hotel, em trens, escritórios, vitrines e cafés. Um universo de eloquência muda, tão realista quanto metafísico, "constatação fria e, no fundo, desesperada, do que era orgulhosamente chamado de 'american way of life'", nas palavras argutas de Argan.
Hopper faria 140 anos nesta sexta (22). Poucos artistas são tão imediatamente reconhecidos como ele. O estilo é claro, mesmo na penumbra. São figuras isoladas, num cenário urbano ou suburbano, em que a emoção é subjacente. Pressente-se que há uma história, um conflito interno, que contrasta com as linhas sóbrias, no limite do fantasmático, da arquitetura ao redor.
David Chase viu em "Nighthawks" a faísca para o final da série "Família Soprano", que se passa num diner, onde se reúnem os personagens centrais. Percebemos uma agitação suspeita no local. Tememos pelo pior e quase podemos antecipar o som dos tiros.
O quadro de Hopper não mostra entrada nem saída. Seus devotos da madrugada vivem eternamente numa peça sartreana. Talvez isso explique a captura do olhar. Voyeurs e prisioneiros de nosso voyeurismo, somos hipnotizados pelo mesmo halo de alienação que delimita aqueles personagens.
Seu biógrafo diz que Hopper inspirou-se numa pintura de Van Gogh. É "O Café à Noite", em Paris, onde o próprio gênio holandês tinha canto cativo, para tomar absinto, vinho ou cerveja.
"Nighthawks", por sua vez, inspirou inúmeros artistas. Wim Wenders recriou a tela em "O fim da violência". Disse que as pinturas de Hopper "sempre mostram onde está a câmera". Os criadores de "Mad Men" e "Os Simpsons" também beberam nesse balcão. Os insones do diner ainda ganharam vida em "Uma Noite no Museu". E Tom Waits gravou um disco baseado no quadro, "Nighthawks at the Diner".
Hopper ficava incomodado com as interpretações acerca de sua obra. No livro "A Cidade Solitária", Olivia Laing conta que, à pergunta "suas pinturas refletem o isolamento da vida moderna?", Hopper respondia: "Isso pode ser verdade. Isso pode não ser verdade." Justo.
Boulevardier
Ingredientes
- 45 ml de bourbon
- 20 ml de campari
- 20 ml de vermute doce
Passo a passo
Mexer os ingredientes com gelo e coar para um copo old-fashioned com gelo e uma casca de laranja.
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