Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim

Um drinque com jurubeba nos cem anos do autor de 'Brasileirinho'

Para Waldir Azevedo, uma sugestão que usa a brasileiríssima e amarga planta

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Depois de se apresentar por 15 dias no cubano Tropicana, Carmen Miranda voltou a Los Angeles. Com a saúde bastante debilitada, tinha de cumprir mais um compromisso —sob contrato, é certo, mas também por delicadeza.

Jimmy Durante ostentava o maior nariz do showbiz americano —e a maior popularidade. Como conta Ruy Castro em sua biografia da Pequena Notável, havia boa química entre o comediante e a cantora. Profissional ao extremo, ela cantou, dançou e brincou no programa do amigo.

Seria sua última noite.

Carmen Miranda no filme "Uma Noite no Rio"
A cantora Carmen Miranda no filme "Uma Noite no Rio" - Divulgação

Na sequência das filmagens ('The Jimmy Durante Show" era feito em película), Carmen recebeu uma montanha de gente em sua mansão, incluindo o Bando da Lua, que a acompanhava, e não se poupou dos habituais pedidos. Fez um espetáculo à parte, com acompanhamento rítmico do "tropel dos cavalos brancos entre as pedras de gelo" nos copos dos convivas. No seu próprio, o uísque White Horse também trotava.

Quando se retirou, o coração explodiu. Caiu dura, sozinha em seus aposentos, sob o efeito acumulado de uma avalanche de obrigações. Nas mãos, um espelho. Alheios ao que se passava, amigos, colegas e penetras continuaram os risos e a dança.

Uma das canções que interpretou no programa de Durante foi "Delicado", o baião disfarçado de choro composto por Waldir Azevedo, que tinha virado sucesso estrondoso com a orquestra de Percy Faith. Aloysio de Oliveira, escudeiro de Carmen no Bando da Lua, entrou com a letra.

Azevedo faria cem anos nesta sexta, 27. Sem a mesma fama e prestígio de Tom Jobim, também conquistou o mundo. "Delicado" recebeu versões em toda parte, do México ao Japão, assim como "Brasileirinho", primeira composição do Ás do Cavaquinho.

O músico e compositor Waldir Azevedo em 1955 - Folhapress

Foi tão espetacular a acolhida a essa completa tradução do chorinho que ele largou o cargo de funcionário público e passou a dedicar-se exclusivamente à música, rodando o planeta com seus solos no pequeno instrumento, do qual tirava sons impensáveis.

O chorinho surgiu na segunda metade do século 19, pelas mãos de escravos negros nas fazendas. Logo ganhou as cidades e virou o gênero por excelência das festas nas casas do Rio de Janeiro. Bastavam flauta, cavaquinho, piano e as notas graves do violão, que davam tempero melancólico à alegria (daí o nome). E, evidente, doses generosas da marvada.

Azevedo foi gigante, assim como Jacob do Bandolim. Ambos fizeram parte do repertório inovador e renovador dos Novos Baianos. Ironia involuntária, a obra-prima do grupo chamou-se "Acabou Chorare".

Chorinho também é aquela pingadinha a mais no copo, que o garçom oferece ao cliente conhecido do bar.

Os cem anos de Waldir merecem muitos chorinhos, tanto os plangentes quanto os etílicos. Por isso, vamos de um ingrediente bem brasileirinho, a jurubeba. É uma das dicas de Néli Pereira em seu livro "Da Botica ao Boteco", resultado de uma bela pesquisa sobre plantas e frutos do país usados em rituais, na medicina popular e na alquimia proto-raiz dos bares.

Destilados com graça e respeito por Pereira, os saberes de povos originários e da cultura negra descem a garganta e iluminam desvãos descuidados, como o fígado, esse bicho tão delicado.


O NIRVANA ENGARRAFADO (receita de Néli Pereira)

50 ml de gim

10 ml de vermute seco

5 ml de vinho de jurubeba Leão do Norte

10 ml de salmoura de jurubeba em conserva

Mexa os ingredientes em um mixing glass com gelo e coe para uma taça coupé previamente gelada. Decore com jurubeba em conserva.

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