Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Gelo e gim
Descrição de chapéu talibã Ásia

Proibido pelo Talibã, vinho é base de coquetel para celebrar a força das afegãs

O brinde vai para as milhares de Malalas, guardiãs da vida, da educação e da cultura

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A civilização começa com a destilação. A boutade é de William Faulkner. Tem seu quê de verdade. O álcool é elemento agregador, na produção e na fruição. E logo impõe regras não escritas, a partir dos excessos que pode inspirar.

O Afeganistão já não era um grande bar aberto, muito ao contrário. Desde os anos 1990 o consumo de bebidas alcoólicas estava proibido no país. Mas existiam algumas brechas. Havia contrabando do Uzbequistão e estabelecimentos onde os estrangeiros podiam beber. Diplomatas, militares e jornalistas revendiam garrafas para aqueles que acreditavam ser possível amar Alá e um bom uísque ao mesmo tempo.

Outra fonte de prazer e relaxamento vinha dos vinhos caseiros. Isso porque, em algumas regiões, o solo afegão, tão castigado por bombas inglesas, soviéticas, americanas e talibãs, tem seus momentos de fino terroir. Como nas montanhas ao norte, próximo da cidade de Mazar e Xarife, ou na grande Herat, no vale por onde passava a antiga rota da seda.

Sim, nem só as papoulas brilham no país hoje tomado pelos fanáticos hirsutos. O literal ópio do povo continua sendo exportado —o Afeganistão é o maior produtor. Mas o vinho, tão mais inocente, é proibido, assim como muitas canções e danças tradicionais, que não condizem com as leis da Sharia.

O vinho existe no Afeganistão há pelo menos 2.400 anos e foi abundantemente cultivado até o século 18. O poeta Rumi, conhecido por exaltar suas qualidades como forma de elevação amorosa e espiritual, nasceu justamente no norte rebelde do país, onde as uvas frutificam indiferentes ao silvo das balas.

Era um outro momento, século 13. Fugido da invasão mongol, ele foi morar na região que hoje pertence à Turquia, onde é bastante cultuado. Um de seus poemas diz: "Traga o vinho puro do amor e da liberdade/Mas, senhor, está chegando um tornado/ Traga mais vinho, então/ Vamos ensinar a essa tempestade o que é girar."

Estava se referindo ao êxtase provocado pelo rodopio vertiginoso dos dervixes, ritual que criou para o sufismo. Essa vertente dos islamismo é detestada pelos fundamentalistas, em parte porque o vinho aparece como metáfora da benção divina, em parte porque fala do amor de um jeito semelhante aos cristãos.

No Paquistão, base de apoio do Talibã, onde Malala levou um tiro indo para a escola, o álcool é banido nos mesmos moldes. No entanto, de acordo com o livro "The Wet and The Dry" (algo como "O Seco e o Molhado"), do jornalista e escritor Lawrence Osborne, bebe-se bastante no país que faz fronteira ao sul do Afeganistão.

Lá existe uma destilaria fortificada. Em 2009, um atentado numa mesquita ao lado matou 37 pessoas. Defendendo-se como pode, a Murre Brewery produz uísque, vodca e cerveja. O dono garante que a maior parte do que fabrica vai, de um jeito ou de outro, para a garganta de muçulmanos.

O Talibã certamente vai piorar o que já estava ruim. Nesse aspecto e principalmente em outros. Do ponto de vista das mulheres já é uma tragédia. O brinde vai, portanto, para as milhares de Malalas, guardiãs da vida, da educação e da cultura. Como Rumi escreveu: com a taça da alma e o vinho do amor.

Taça de sangria com vinho tinto
Taça de sangria com vinho tinto - mayatnik/stock.adobe.com

Sangria (para uma pessoa)

  • 90 ml de vinho tinto Shiraz
  • 15 ml de conhaque
  • 15 ml de licor de laranja
  • 30 ml de suco de laranja
  • 10 ml de suco de limão-siciliano
  • 7 ml de xarope de açúcar

Passo a passo

Bater todos os ingredientes com gelo e coar para uma taça grande (goblet) com gelo e, se quiser, pedaços de frutas. Completar com club soda e mexer de leve.

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