Outro dia, eu estava num jantar promovido por meu clube em Chicago para comemorar o Bloomsday. Era o dia em que, em 1904, Leopold Bloom, o herói de "Ulisses", de James Joyce, teria passado andando por Dublin, sendo suas andanças registradas no livro em detalhes cansativos.
Desisti de ler o livro após duas tentativas, no ponto em que são dados todos os detalhes dos movimentos intestinais de Bloom naquele dia fatídico. Bloomsday é comemorado mundialmente na anglosfera no dia 16 de junho, com leituras em voz alta e muita bebida.
Eu não bebi, mas o homem que estava sentado ao meu lado havia bebido e entabulou uma conversa estranha comigo sobre história.
Ele tinha lido alguns textos de Thomas Piketty, além de uma porção de Marx. Queria a todo custo que eu elogiasse Piketty. Mencionei que eu escrevera um não elogio de 50 páginas de seu primeiro livro e que apenas na semana anterior tinha redigido uma resenha hostil de mais duas produções de Piketty para o Times Literary Supplement.
Essa informação o irritou, e ele me acusou de bancar a entendida no assunto. Tive vontade de responder que, afinal, eu sabia do que estava falando. Mas me abstive e voltei a insistir gentilmente que Piketty, assim como Marx, errou em quase tudo o que defendeu. Finalmente consegui me desvencilhar do sujeito e fui até nossa ponta da mesa para conversar sobre Joyce, em vez disso.
O problema é que as pessoas pensam que já sabem o que aconteceu na história e querem ver seu não conhecimento reafirmado. Estou aqui para lhe dizer que elas, na realidade, não têm ideia alguma do que aconteceu.
Oitenta por cento, 90% do que você pensa que sabe sobre a história está errado. O não conhecimento às vezes não tem importância. Não tem importância que você pense que Atenas antiga era uma democracia ou que o cristianismo causou o liberalismo moderno. Mas, às vezes, a ignorância tem efeitos práticos pavorosos.
Um exemplo recente disso é a versão insana da história russo-ucraniana apresentada por Vladimir Putin. A não história da escravidão no Brasil e nos Estados Unidos é outro exemplo. Como disse o humorista americano Josh Billings, dos anos 1880, "não é o que você não sabe que lhe faz mal. É o que você sabe, mas que não é verdade".
Saiba que você não sabe. Eu também. Minha falta de conhecimento de línguas pelo menos me obriga a ser um pouco humilde. Diferentemente do meu amigo Howard Becker, grande sociólogo americano, nem sequer entendo o português.
Vá trabalhar, Deirdre, para ficar sabendo mais coisas que você desconhece.
Tradução de Clara Allain
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