Deirdre Nansen McCloskey

Economista, é professora emérita de economia e história na Universidade de Illinois, em Chicago

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Deirdre Nansen McCloskey

Sobre desconhecer o que aconteceu na história

Piketty, assim como Marx, errou em quase tudo o que defendeu

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Outro dia, eu estava num jantar promovido por meu clube em Chicago para comemorar o Bloomsday. Era o dia em que, em 1904, Leopold Bloom, o herói de "Ulisses", de James Joyce, teria passado andando por Dublin, sendo suas andanças registradas no livro em detalhes cansativos.

Admiradores de James Joyce posam em frente ao centro que leva seu nome em Dublin, na Irlanda, celebrando o Bloomsday, dia que festeja o protagonista do livro mais famoso do autor, "Ulisses" - Zhang Qi - 17.jun.22 / Zinhua


Desisti de ler o livro após duas tentativas, no ponto em que são dados todos os detalhes dos movimentos intestinais de Bloom naquele dia fatídico. Bloomsday é comemorado mundialmente na anglosfera no dia 16 de junho, com leituras em voz alta e muita bebida.


Eu não bebi, mas o homem que estava sentado ao meu lado havia bebido e entabulou uma conversa estranha comigo sobre história.


Ele tinha lido alguns textos de Thomas Piketty, além de uma porção de Marx. Queria a todo custo que eu elogiasse Piketty. Mencionei que eu escrevera um não elogio de 50 páginas de seu primeiro livro e que apenas na semana anterior tinha redigido uma resenha hostil de mais duas produções de Piketty para o Times Literary Supplement.


Essa informação o irritou, e ele me acusou de bancar a entendida no assunto. Tive vontade de responder que, afinal, eu sabia do que estava falando. Mas me abstive e voltei a insistir gentilmente que Piketty, assim como Marx, errou em quase tudo o que defendeu. Finalmente consegui me desvencilhar do sujeito e fui até nossa ponta da mesa para conversar sobre Joyce, em vez disso.


O problema é que as pessoas pensam que já sabem o que aconteceu na história e querem ver seu não conhecimento reafirmado. Estou aqui para lhe dizer que elas, na realidade, não têm ideia alguma do que aconteceu.


Oitenta por cento, 90% do que você pensa que sabe sobre a história está errado. O não conhecimento às vezes não tem importância. Não tem importância que você pense que Atenas antiga era uma democracia ou que o cristianismo causou o liberalismo moderno. Mas, às vezes, a ignorância tem efeitos práticos pavorosos.


Um exemplo recente disso é a versão insana da história russo-ucraniana apresentada por Vladimir Putin. A não história da escravidão no Brasil e nos Estados Unidos é outro exemplo. Como disse o humorista americano Josh Billings, dos anos 1880, "não é o que você não sabe que lhe faz mal. É o que você sabe, mas que não é verdade".


Saiba que você não sabe. Eu também. Minha falta de conhecimento de línguas pelo menos me obriga a ser um pouco humilde. Diferentemente do meu amigo Howard Becker, grande sociólogo americano, nem sequer entendo o português.


Vá trabalhar, Deirdre, para ficar sabendo mais coisas que você desconhece.


Tradução de Clara Allain

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